Raimundo Fagner é filho de um libanês que ainda jovem migrou para o Brasil. Cresceu vendo o pai, de poucas palavras, mas que gostava de cantar, entoar músicas de sua terra natal. O garoto nascido em Orós (CE) talvez nem entendesse os versos das canções, mas buscou no estilo do pai seu jeito de interpretar. “Aquela coisa de mexer a cabeça, soltar a voz, esticar as vogais vieram dele. É algo genético”, revela o artista.
A preferência pelas baladas também está no DNA de Fagner. “Meu irmão, Fares Lopes, fazia serestas. Era parceiro do grande Evaldo Gouveia, que depois rumou para o Rio para se consagrar. E eu me deleitava com o trabalho deles, achava o máximo”, afirma. “Além disso, cresci ouvindo no rádio grandes ídolos românticos como Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas e Nelson Gonçalves. Aquilo tudo moldou meu estilo”, lembra ele, hoje com 66 anos de idade e 43 anos de carreira.
O romantismo de Fagner resultou em baladas que se tornaram clássicos, como “Deslizes”, “Borbulhas de amor”, “Revelação”, “Canteiros”, “Cartaz”, “Romance no deserto”, “Noturno”, “Fanatismo” e tantos outros. Claro, há também no seu cancioneiro pérolas carregadas da cultura e das sonoridades nordestinas – casos de “Orós”, “É proibido cochilar”, “Lembrança de um beijo” e “Seca no nordeste”. E nem poderia ser diferente. Além de ter crescido na região, Fagner conviveu e gravou com muitos representantes da cultura nordestina, entre eles Luiz Gonzaga e Dominguinhos.
AUTO-GERENCIAMENTO
Pouco importa em que gênero ele mais se destaca. O nome de Fagner há tempos está cravado na história da música brasileira. Isso tudo sem estratégias mirabolantes de marketing nem o suporte de poderosos escritórios de management. “Há muitos anos não tenho empresário. Minha secretária (Iris Gamenha) filtra as consultas para shows, pedidos de música para trilhas sonoras, pedidos de entrevistas etc. e eu mesmo avalio e decido o que vale a pena fazer”, explica Fagner que, além da carreira artística, é engajado politicamente e mantém importante trabalho social à frente de sua fundação, FRFagner – com sedes em Fortaleza e Orós –, que atende a 400 crianças e adolescentes. “Estou sempre fazendo alguma coisa. Eu não tiro férias. Aproveito as viagens a trabalho e as turnês para esticar um pouco a permanência em algumas cidades para descansar”, diz.
Em 2014, Fagner comemorou 40 anos de estrada com o lançamento do CD Pássaros urbanos – e da respectiva turnê. Passados dois anos, ele continua com o mesmo espetáculo, que mapeia sua trajetória através de apresentações ora acústicas ora elétricas, apenas com pequenas variações no repertório. Na verdade o setlist nunca foi engessado, de acordo com o cantor. Além dos grandes sucessos, ele diz ter dezenas de músicas ensaiadas. Algumas consideradas “lado b” na sua discografia, como “Asa partida”, “Motivo” e “Dois querer”. O repertório final é fechado em cima da hora, dependendo da praça e do tipo de público. “Por exemplo, no meu último disco regravei Paralelas, do Belchior, e a incluí no show. Mas ultimamente, venho substituindo-a por outra composição conhecida dele, A palo seco. Acho que a letra, feita em 1976, tem muito a ver com o momento político de desesperança que estamos vivendo agora”, explica Fagner, lembrando ainda que nos últimos meses vem incluindo nas apresentações composições recentes, como Alma gêmea (poema do livro Há dois mil anos, de Chico Xavier, musicado por ele) e Não desista de mim, parceria com Moacyr Franco e Zeca Baleiro.
Fagner não pode ser considerado um representante legítimo do gênero nordestino, porque, como dito anteriormente, explorou muito mais as baladas românticas ao longo da carreira. Chegou a gravar dois CDs com sucessos da região nordeste que pouco tocavam no eixo Rio-São Paulo, como forma de promover o trabalho daqueles compositores no sudeste. Um deles é o clássico disco “Caboclo sonhador”. Mas Fagner sabe tudo sobre a música feita na região. “Historicamente, o forró se desenvolveu na Paraíba e em Pernambuco. O Ceará sempre teve uma produção musical eclética. Mas graças aos empresários do show business, radialistas e à indústria do turismo, Fortaleza se transformou na capital do forró”, diz, avaliando o momento atual do gênero, na sua versão elétrica e ‘assertanejada’. “O Wesley Safadão é um fenômeno. Canta bem, tem carisma, se comunica muito bem com o público, que o adora. O que ele, Simone & Simaria e bandas como Aviões fazem é forró, não podemos negar. É uma variação moderna, diferente, mas é forró. Hoje, esses artistas estão entre os mais populares do Brasil. É a vingança do forró sobre o axé e outros gêneros das massas outrora em evidência”, brinca.
Até o fim do ano, o cantor pretende colocar novo álbum no mercado. Não revela detalhes, mas diz já ter gravado quatro faixas, uma delas no estúdio de Michael Sullivan, que produziu “Pássaros urbanos”. “O repertório será romântico e talvez eu resgate algumas composições inacabas entre as várias que tenho guardadas”, afirma ele, que atualmente não tem vínculo com nenhuma discográfica. “Prefiro finalizar o trabalho e só então sair para negociar o lançamento”, diz. Entenda-se: lançamento físico, pois Fagner ainda é adepto do consumo de música nesse formato, embora, claro, pretenda disponibilizar o material também de forma digital.
ZÉ RAMALHO E BIOGRAFIA
Há dois anos, o cearense chamou o amigo Zé Ramalho para uma parceria. Gravaram o festejado álbum “Fagner e Zé Ramalho ao vivo” (Sony Music), que já ultrapassou a marca de 50 mil cópias vendidas. Porém, por problemas de agenda, eles não conseguiram planejar nem mesmo um show de lançamento do produto. Se depender de Fagner, ao menos uma mini-tour pode vir por aí. “Seria ótimo para promover o trabalho, que ficou tão bacana, e para atender aos frequentes pedidos do público que quer me ver no palco com o Zé. Poderíamos fazer umas seis praças, entre as quais São Paulo, Rio e Belo Horizonte”, conjectura. Há 13 anos, Fagner participou de parceria parecida com Zeca Baleiro, que gerou CD, DVD e dezenas de apresentações.
As parcerias, a história e a carreira de Raimundo Fagner em breve estarão reunidas na biografia oficial do artista, que começou a ser escrita pela jornalista Regina Echeverria, autora de livros sobre Elis Regina e Cazuza, entre outros. Indagado sobre o motivo da biografia, Fagner manteve a sinceridade característica: “Além da minha carreira de sucesso e do meu trabalho social, sou um artista muito atuante na vida política. Sempre fui crítico da política mal feita, embora me relacione bem com líderes de vários partidos. Além disso, me envolvo bastante com questões relativas à classe artística”, detalha Fagner, que recentemente trabalhou pela aprovação da PEC da Música (que reduziu a tributação sobre produtos como CDs e DVDs) e é crítico ferrenho à proposta do governo de regular e fiscalizar o trabalho do ECAD na distribuição de direitos autorais.