Quem ouve os megahits assinados por Bruno Caliman, há dez anos um dos líderes em arrecadação de direitos autorais no país, deve achá-lo um romântico inveterado. E provavelmente ele o é. Não fosse assim, não teria criado pérolas como “Domingo de Manhã”. “Cobaia”, “Péssimo Negócio”, “Te Esperando”, “Escreve Aí”, “Investe em Mim”, “Romântico Anônimo”, “Locutor”, “Amuleto”, “Contrato Vitalício”, “Oi” e “Chico”.
Artesão das palavras, Caliman, numa proporção menor, também sabe animar o público com suas composições – “Camaro Amarelo”, “Fiorino”, “15 Mil por Mês” e “Sogrão Caprichou” estão nesse grupo. O fato é que o músico, que após integrar uma banda pouco conhecida na Bahia, passou a perambular pelo nordeste com seu violão, criando e vendendo jingles para pequenas lojas, sabe como poucos contar boas histórias em suas letras, usar frases de efeito, criar refrões que emocionam. E isso fica evidente no seu cancioneiro. Ao todo, são mais de 400 músicas gravadas e outras tantas inéditas, prontas para ganhar vozes.
O que pouca gente sabe, no entanto, é que o capixaba que completou 47 anos neste domingo, 15 de outubro, revela-se um artista incomodado com as questões sociais do país e o comportamento humano quando mostra seu repertório próprio, de cantautor, nos shows esporádicos que realiza. Faixas como “Enquanto Há Tempo” e “Rayban” atestam seu engajamento. Um pouco do que pensa e a forma como enxerga o mundo podem ser encontrados nas influências musicais de Bruno, relacionadas nesta seção Meu Top 10 (abaixo), em que ele cita dez álbuns representativos para sua história artística e de vida.
Sobre a dicotomia entre compor hits populares e canções reflexivas, ele comenta. “Quando componho, a única coisa com que me preocupo é tentar escrever uma boa história e me comunicar. As pessoas, com certa razão, costumam me rotular com base nas minhas músicas que outros artistas escolheram gravar – e eu compreendo. Talvez ficará mais claro para elas entenderem o que eu penso quando eu gravar meu próprio repertório”, afirma. “Há oito anos, por exemplo, escrevi “Enquanto há Tempo”, que gravei com o Zé Geraldo, um dos meus grandes ídolos. Foi minha maneira de deixar uma mensagem sobre um tema tão delicado no Brasil hoje em dia. Sinto que o ódio está contaminando tudo, o ódio é muito virulento. Se você bobear e cair nas tentações das redes sociais e grupos de família, por exemplo, logo estará julgando os outros e apontando o dedo – isso é muito perigoso. A ordem é ferir o outro, a ordem é destruir o que o outro pensa ou é”, continua.
Indagado sobre sua forma de compor, Bruno afirma: “no geral, sou muito inseguro. Tem dias em que eu acordo acreditando em tudo que escrevo. Há outros em que quero jogar tudo fora. Na verdade, o dia inteiro eu fico com o violão no colo, riscando um papel. Minha pele ficou ‘cinza’, porque sou moreno e, por conta dessa rotina, não pego sol. Fico com a bunda no colchão, olhando pro teto, com um copo de chocolate quente do lado. Às vezes minha esposa bate na porta e avisa que tem vida lá fora”.
Além de compor, vez por outra, Bruno se apresenta como cantor, muito mais pra mostrar seu trabalho do que para faturar com isso — até porque os ganhos autorais lhe garantem ótima renda. Antes da pandemia, chegou a ensaiar uma tour pelo país, cantando seus sucessos, faixas de artistas que inspiram seu trabalho e composições menos comerciais, mas com mensagens nas quais ele acredita e que mostram sua essência, seus valores enquanto ser humano. “É bem diferente quando a música sai da minha boca. É um discurso meu. Sou eu contando a história e isso é muito mais empolgante. Tudo tem um sentido mais amplo, mais estranho. É uma viagem diferente esse lance do palco. É como subir numa nave e abduzir todo mundo que está na plateia. Eu sou muito feliz no palco, apesar de ter feito poucos shows até agora”, comentou ele na época.
A seguir, o “Meu Top 10 Discos” de Bruno Caliman:
DESIRE – Bob Dylan (1976)
“É um disco que encontrei por acaso no meio da discoteca de um dos meus tios. Foi o álbum que me despertou para eu me aprofundar no mundo da música folk. Este álbum tem o clássico Hurricane”
FORÇA VERDE – Zé Ramalho (1982)
“Sabe a expressão ‘ouvir um disco até furar?’ Foi o que eu fiz com esse clássico do Zé Ramalho. A experiência de ouvir esse disco a pleno volume, com a luz do quarto desligada, foi umas das coisas mais incríveis da minha vida. Era quase uma viagem lisérgica”.
O INIMITÁVEL – Roberto Carlos (1968)
“O romantismo melancólico desse disco – que tem faixas como As canções que você fez pra mim e Eu te amo, eu te amo, eu te amo – me fascina até hoje. Para mim, é o grande álbum do Roberto, um dos discos mais incríveis já gravados no Brasil”.
THE WALL – Pink Floyd (1979)
“Esse, eu acredito, nem precisa de explicação. Com músicas eternas, como Another brick in the wall, esse álbum é um clássico obrigatório para qualquer artista de qualquer arte – no mundo inteiro”.
GITA – Raul Seixas (1974)
“A parceria de Raul Seixas com o escritor Paulo Coelho rendeu canções antológicas que influenciaram minha poesia (além da faixa-título, Medo da chuva e Sociedade alternativa, entre outras). É o disco com a capa mais emblemática do rock: Raul com sua guitarra vermelha semi-acústica e seu Rayban”.
KRIG-HA, BANDOLO – Raul Seixas (1976)
“Trata-se do primeiro álbum solo do Raul, que contém Ouro de tolo, canção que considero a mais importante da minha vida. Foi ela que me fez entender que a letra de uma canção pode transformar alguém”.
CIDADÃO – Zé Geraldo (1979)
“Foi com esse disco (puxado pela faixa-título) que comecei a conhecer a obra de um dos meus grandes influenciadores. Zé Geraldo é a maior referência folk que tenho no Brasil. Seus textos me inspiram até hoje”.
O MELHOR DE PENA BRANCA E XAVANTINHO (1997)
“Entre todos os discos que tenho ou já tive esse, pra mim, é o mais comovente. Me ensinou a ser sincero com minha arte. A simplicidade e a sensibilidade desses dois foram determinantes pra minha construção artística”.
THE WHITE ALBUM – Beatles (1968)
“Fui apresentado aos Beatles com esse disco (que tem clássicos como Revolution). Um dos poucos LPs que guardei naquela loucura que foi a transição para o CD. Beatles é parte importante de tudo que faço e penso sobre música hoje”.
Elvis Presley – Toda discografia
“Pra mim, o grande artista da história da humanidade. A síntese do rock, do country e da música negra, tudo em um homem só. Tudo que ele fez me toca.”.