“André Midani, em alguns momentos, foi maior que a indústria da música, muitas vezes medíocre em seu padrão de repetição e zona de conforto quando encontra o caminho e o replica insistentemente, como único. André gostava de andar na contramão , tinha sede da adrenalina criativa do abismo, do improvável que pode mudar vidas.
Era a música em pessoa, o music man na sua aparência frágil de leão urbano, com raro entendimento do caos, do poder absurdo e absoluto não apenas da música, mas principalmente do papel do artista no mundo.
A generosidade de André muitas vezes se confundia com sua ferocidade de encarar os fatos e decidir a parada. Com ele, não tinha bola dividida, às vezes furava a bola no meio do jogo, inconformado com o zero a zero. André era adepto de goleadas, de enseadas onde o mar bate forte na pedra, corrosivo e abortivo de mesmices e previsibilidade.
Por isso foi tão determinante, tão acelerador, start up de si próprio no seu empreendedorismo pioneiro, inaugural, de descobrimentos estéticos e vanguardas sem limites na lógica corporativa.
André foi um gigante por onde passou, deixando seu rastro e rosto em tudo e todos que tocava com seu olhar crítico, futurista que entendia o passado mas nunca se rendeu a ele, inclusive já mais velho, quando observava tudo como um lince, uma lima construtiva, incansável .
Se permitia mutante mas defendia o que pensava com maestria rara, com argumentos incisivos e educadores.
Sabia jogar não conforme a música, mas por ela.
Na Polygram /Universal, pude me deleitar com o catálogo dos anos 60/ 70 que nos deixou. Álbuns históricos, encontros monumentais, da Bossa Nova ao Tropicalismo .
Armando Pitigliani, que me levou para a Polygram em 1981, dizia, com orgulho indisfarçável e justo, que “em determinado momento só nos faltava Roberto Carlos” no dream team de artistas espetaculares do cast, como Caetano, Gil, Gal, Bethania e muitos outros desta constelação iluminada e fundamental para a música brasileira.
Mas ali já existia um rei, executivo, absoluto.
Foi decisivo para incubar e acelerar o BRock dos anos 80, com ecos até hoje e gerações de rock and roll nacional por todo o Brasil.
Depois, André estendeu seus domínios pela América Latina, onde foi igualmente venerado e causou grande impacto com Manná, Luis Miguel, La Ley, Café Tacuba e uma lista de artistas privilegiados por seu olhar e contribuição.
Mais tarde, já à margem da industria mas nunca ausente, sempre almoçávamos em nosso restaurante de sempre, competindo em pontualidade e positivismo sobre as coisas .
As conversas foram ficando cada vez mais pessoais e transcendentais. E sempre objetivas, nunca derivativas.
André nunca teve tempo a perder.
Era assim, nunca refém do vinil, muito além do download.
Era a música, em primeira e última pessoa.”
(*) Marcelo Castello Branco atuou como executivo em grandes gravadoras no Brasil e exterior e atualmente é CEO da União Brasileira de Compositores (UBC) e Chairman do Conselho Diretor da Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores (CISAC).