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Lobby do turismo volta a ameaçar autores e intérpretes

hotel ecad

“O lobby da indústria hoteleira voltou à carga, esta semana, durante a votação no plenário da Câmara da MP 948/2020, editada pelo governo Bolsonaro para regulamentar as normas relacionadas a cancelamentos de eventos, reservas de hotéis e transporte por conta da pandemia. Nos últimos dias, deputados vinham tentando incluir na MP o “jabuti” – no jargão legislativo, um tema totalmente alienígena à pauta – da isenção de pagamento de execução pública a quartos de hotéis e motéis e camarotes de navios pelas músicas tocadas nesses ambientes. Não conseguiram, e o tema ficou de fora da votação da MP no plenário da Câmara na noite de quarta-feira (29), mas eles prometem apresentar um projeto de lei em caráter de urgência, na semana que vem, para interferir na gestão coletiva de direitos autorais. Milhares de artistas, incluindo alguns dos maiores da nossa música, já começam a se mobilizar para impedi-los.

As manobras para alterar as regras de cobrança, pelo Ecad, dos direitos relacionados a músicas tocadas nos mais variados âmbitos e ambientes ganharam força no período de governo de Jair Bolsonaro. Desde a edição da MP 907, no fim de 2019 – então editada para estimular o setor turístico e reativar a economia, com baixo crescimento desde o início da atual gestão –, parlamentares vinham articulando para passar a isenção aos quartos de hotéis. Na época, um acordão entre diversos interessados no tema transferiu o jabuti para a MP 948. Além disso, outras isenções foram propostas para a nova MP, como uma criada pelo deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) para beneficiar produtores de eventos, um setor do qual ele é oriundo. Entre as ideias de Carreras, os direitos de execução pública musicais em shows e eventos deveriam ser descontados dos cachês dos artistas intérpretes, e não mais serem pagos pelos produtores dos eventos.

Uma inesperada e forte reação dos artistas – incluindo Anitta, que promoveu, e venceu, um debate público e ao vivo pelo Instagram com Carreras – levou o lobby da isenção a bater em retirada. Mas o silêncio só durou até esta semana, quando um grupo capitaneado pela deputada Magda Mofatto (PP-GO) e integrado por representantes de partidos como PTB, PL, MDB, DEM, Solidariedade, PROS, Avante, entre outros, voltou à carga e tentou encaixar de novo a isenção a quartos de hotéis e camarotes de navios na MP 948. O próprio Felipe Carreras, que também é relator desta última MP, deixou de fora a emenda no seu relatório, mas o grupo insistiu durante o início da votação em plenário. Para poder aprovar a MP (sem a menção a direitos autorais), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propôs ao grupo de parlamentares que o tema seja apresentado em caráter de urgência na semana que vem como um projeto de lei à parte.

anitta78

Observadores do Congresso avaliam que isso pode abrir a caixa de Pandora das alterações na lei 9610/1998, que rege os direitos autorais no Brasil e estabelece o princípio da gestão coletiva, que garante a justa remuneração aos criadores de música pelo uso das suas obras, sem interferência do Estado. Grupos variados que têm interesse em pagar menos – ou, diretamente, não pagar nada – pelas canções que exploram em seus ambientes comerciais (ou em suas programações, no caso de meios de comunicação) esperam pela oportunidade de “rediscutir” a lei de direitos autorais e devem fazer pressão por mais isenções ou reduções.

Prova disso é que, na própria quarta (29), um grupo de parlamentares capitaneado por Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) e com apoio de Felipe Carreras e Magda Mofatto, além de Paulo Ganime (Novo-RJ), Maurício Dziedricki (PTB-RS), Arthur Lira (PP-AL), entre outros, protocolou um requerimento pedindo urgência na tramitação de um projeto que já circula desde 1997 no Congresso, o PL 3968. O texto original do projeto isenta de pagamento de direitos autorais órgãos públicos e entidades filantrópicas, mas é dado como certo que os lobbies ligados a estes deputados devem tentar enxertar benefícios para produtores de eventos, hotéis, motéis e navios e outros usuários de músicas.

Antecipando-se a essa previsivelmente grande ofensiva contra os direitos autorais, um grupo apoiado por mais de 1,3 mil artistas já pediu audiência com o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), sob cuja área de influência está o tema, dada a extinção do ministério da Cultura por Bolsonaro. Entre os integrantes, há nomes como Marisa Monte, Djavan, Alcione, Milton Nascimento, Anitta, Jota Quest, Nando Reis, BaianaSystem, Emicida, Paula Fernandes, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Zeca Pagodinho e muitos outros. O ministro, claramente defensor do setor turístico nesta disputa e mantido no cargo desde o início do governo apesar dos diferentes escândalos de corrupção em que se viu envolvido, já avisou que não tem agenda para recebê-los nas próximas semanas.

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Na noite de quarta, 29, uma manifestação espontânea de medalhões da nossa música nas redes sociais mostrou que os artistas não se conformarão com as negativas dos representantes do setor turístico a recebê-los. Os perfis oficiais de Chico Buarque, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Daniela Mercury, Os Paralamas do Sucesso, Frejat, Katia B, Ivo Meirelles, Rogério Flausino, Daniel Rangel, Lilian, Delacruz, Rodrigo Sha, Carlos Colla, entre vários outros de gêneros como sertanejo, pop, funk, pagode, samba e MPB, puseram a hashtag #SomosTodosEcad entre os tópicos mais discutidos do Twitter.

Em seus posts, eles compartilham a imagem que abre esta reportagem, e que também circula em versão alternativa, com um texto que explica: “Somos todos contra qualquer restrição ao direito autoral. #SomosTodosECAD. Sou compositor. Sou Intérprete. Sou Músico.” Os artistas prometem não parar até que mais essa ameaça à justa remuneração que recebem pela exploração econômica de suas músicas seja afastada.

ecad lobby

(*) Reprodução de texto publicado hoje (30/07), no site da União Brasileira de Compositores (UBC)  

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