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Durante pelo menos 40 anos, o promotor de shows e eventos José Carlos Mendonça, o Pinga, reinou absoluto nos estados do Norte e Nordeste. Realizou exatos 15.127 shows e eventos. Só teve um artista exclusivo, Luiz Gonzaga – e somente por seis anos. Tampouco priorizava revender as atrações. Pinga gostava mesmo era do risco, de comprar a data e ele mesmo viabilizar a realização do show. Em cada praça, tinha um parceiro (produtor local), ao qual repassava um percentual da receita bruta. “O risco era todo meu”, lembra ele, que em 18 de agosto completará 50 anos de atividade, ainda que na última década tenha diminuído muito o ritmo de suas produções e tenha trabalhado mais como booker do que promoter. “Quando comecei, não havia mais que 100 profissionais atuando no mercado de shows no Brasil. Hoje são milhares. A concorrência aumentou e os modelos de negócios são outros”, justifica.
Prestes a completar cinco décadas de atuação, Pinga planeja aposentar-se definitivamente. E gostaria de concluir seu ciclo realizando um show do artista com o qual assinou seu primeiro contrato, Roberto Carlos – na verdade, ao longo de sua trajetória, o profissional promoveu 285 concertos do “Rei”. “Em 1966, eu tinha 26 anos e trabalhava em Aracaju, na área farmacêutica, além de apresentar programas de rádio patrocinados por laboratórios com os quais eu me relacionava. Mas me apaixonei pela Jovem Guarda e acabei contratando o Roberto pra fazer dois shows na cidade. “Fiz um no ginásio de esportes, com bom público, e outro no estádio municipal, que foi um fiasco. Só levamos 1.237 pessoas ao local, porque o público do Roberto era adolescente e a apresentação foi marcada pras 11 da noite”, relembra Pinga que acumulou prejuízo nesta sua primeira investida no show business. Prejuízo que se sucedeu com as outras duas atrações que ele levou à capital sergipana nos meses seguintes, Renato e Seus Blue Caps e Martinho da Vila. “Pensei: esse negócio não é pra mim. Abandonei o universo artístico e retomei minhas outras atividades”, conta Pinga.
Em abril de 1972, o empresário voltou à carga, para nunca mais deixar o mercado de entretenimento. “O Nilton César estava estourado e eu resolvi comprar três datas dele para fazer seis apresentações em Sergipe. Desta vez a história foi diferente. O que faturamos no primeiro show pagou o custo do pacote e ainda deu lucro”, diz. Nos anos seguintes, ele faria mais 54 apresentações com o então ídolo romântico. “Passei a negociar com artistas de todos os gêneros. Lembro que, como eu comprava muito bilhete na extinta Vasp, o pessoal do meio artístico brincava dizendo que a sigla significava “Viação Aérea a Serviço do Pinga”, diverte-se, lembrando que os nomes com os quais mais trabalhou nesses 50 anos foram Elba Ramalho (401 shows), Luiz Gonzaga (285, mesmo número de Roberto Carlos”), Chico Anysio (269), Odair José (238), Raça Negra (233), Antonio Marcos (221), Jerry Adriani (217), Mastruz com Leite (214) e Daniel (211).
Pinga nasceu no interior sergipano, na pequena Propriá, começou seus negócios em Aracaju, mas em 1980 se mudou para Recife, onde instalou o QG principal que administrava as produções que ele fazia em todo Brasil. Certamente, nenhum outro contratante fez tantos negócios com Roberto Carlos como Pinga. “Muitas vezes, nem redigíamos contrato. Eu ligava pra ele ou para seu empresário, combinava valores e itens de produção e o negócio estava sacramentado”, afirma ele, lembrando que durante uma tour pelo nordeste marcou um show em sua cidade natal, como forma de homenagem e agradecimento aos conterrâneos. “Quando o Roberto soube do meu propósito, simplesmente abriu mão do cachê”, emociona-se, ressaltando que no show de número 10.000 de sua empresa, realizado em janeiro de 1997 no ginásio Geraldão, em Recife, a atração foi justamente o “Rei”. Segundo o profissional, considerando as capitais do país, a Pinga Promoções realizou shows de Roberto em quase todas elas, exceto as três da região sul, São Paulo, Rio, Palmas e Boa Vista. “O dia 18 de agosto de 1966, quando fiz o primeiro show, era uma quinta-feira. Meu desejo era levar o Roberto a Recife exatamente no dia 18 de agosto deste ano, coincidentemente uma quinta-feira. Isso não será possível por questões de agenda. No entanto, já estou acertando outra data com a DC-Set, pois na minha despedida como realizador de shows e eventos não considero contratar outra atração que não o “Rei”, afirma.
HISTÓRIAS
Se Pinga quisesse, poderia escrever uma enciclopédia com as histórias que acumulou ao longo dos 50 anos em que está na estrada. E são várias. Como a que envolve o cantor Ronnie Von, segundo ele o artista com o qual proporcionalmente mais lucrou. “Em 1976, o Ronnie estava um pouco em baixa e o manager dele me ofereceu um pacote de 30 datas por 20 mil cruzeiros cada show. Acabei negociando cada show a 8 mil cruzeiros e mesmo assim achei que poderia tomar prejuízo. Só que o Ronnie foi chamado para participar do gameshow Qual é a Música, do Silvio Santos, que era líder de audiência aos domingos – e lá ficou por várias semanas, derrotando concorrentes famosos. Resultado: acabei negociando outras datas e fiz ao todo 47 shows do Ronnie. Vendi apenas uma data, para um promotor de Itabuna (BA) – e me arrependi. Vendi por 15 mil cruzeiros e o promotor lucrou 80 mil com a apresentação do Ronnie”, lembra Pinga. Em meio à maratona, Roonie Von ficou totalmente afônico e propôs cancelar uma apresentação (marcada para Palmares/PE), mas Pinga o demoveu da ideia, convencendo-o a dublar as músicas, enquanto seu parceiro de composição e músico Tony Ozanah interpretava as canções. Na lista de artistas com os quais Pinga trabalhou, Ronnie aparece no Top 20, com 162 shows.
O posto de líder de arrecadação nos negócios da Pinga Promoções poderia ter ficado com a cantora Simone, não tivesse ela exigido renegociação de cachê no meio de uma grande turnê. O empresário explica: “Em 1980, negociei 104 shows com ela, paguei o valor pedido e comecei a agendar as datas. No meio do caminho, a Sony a contratou e lançou o álbum Amar, que foi um fenômeno, e os shows começaram a lotar. Levamos 50 mil pessoas em duas apresentações em Brasília e o resultado financeiro quase empatou com o valor que eu havia pago pelo pacote”, afirma ele, lembrando que precisou dobrar o valor do cachê dos shows a partir de determinada data, pois só assim a cantora aceitaria cumprir o restante da agenda. “Discutimos bastante, brigamos, mas depois, por intermédio de um advogado que era amigo tanto dela quanto meu, fizemos as pazes, nos abraçamos e seguimos em frente”, lembra. Ao todo, ele fez 168 shows com Simone.
Além das atrações nacionais, a Pinga Promoções realizou várias produções internacionais nessas cinco décadas, com nomes como Ray Charles, Julio Iglesias, Charles Aznavour, Information Society, Men at Work, Menudo, Pat Methney, Mister M, Donna Summer e Faith no More. Com a banda californiana que gravou os hits Epic e Falling to pieces, Pinga garante ter perdido 400 mil dólares, numa turnê de oito shows. “Eu não sei falar nem entendo inglês, mas se soubesse nunca teria fechado contrato com uma banda cujo nome traduzido para o português é algo como ‘fé nunca mais”, lamenta ele, católico praticante, cujo apelido foi dado por um padre ainda na infância.
A lista de realizações do promotor inclui vários eventos esportivos em Recife, como uma luta de boxe de Adilson Maguila versus o paraguaio Angel Amarilla, amistosos de clubes como Vasco, Flamengo, Corinthians e Atlético Mineiro, além de partidas da seleção brasileira de futebol. “Em 1996, tomei um baita prejuízo com o jogo Brasil X Polônia, em Recife. Nosso time tinha ganho a Copa do Mundo dois anos antes e eu achei que lotaríamos o estádio. Só que choveu muito, a TV transmitiu a partida para a cidade e o time foi a campo sem os principais craques. Resultado: perdi 300 mil dólares”, finaliza.