No mês passado, o maestro João Carlos Martins anunciou que deixaria de se apresentar, definitivamente ou por um período, para se submeter a uma cirurgia nos dedos da mão esquerda, o que o incomoda muito quando está tocando seu piano. Para alegria geral, ele confirmou ao menos mais um concerto antes da cirurgia. Será dia 2 de abril, às 21 horas, no Teatro Porto Seguro, centro de São Paulo. O artista estará acompanhado da Orquestra Bachiana Sesi-SP e do tenor Jean William, talento relevado pelo próprio maestro em 2009. Os ingressos já estão à venda.
A apresentação é uma oportunidade para entrar em contato com a vida e a arte de João Carlos Martins, cuja trajetória já foi registrada em três documentários – o franco-alemão “Die Martin’s Passion” (2003), o belga “Revérie” (2007), e o brasileiro “O Piano Como Destino” (2015) –, além do longa-metragem “João, o Maestro”, produzido pela LC Barreto, e da peça “Concerto para João”, que ficou em cartaz em São Paulo no ano passado.
Aos 78 anos, João Carlos começou a tocar piano aos sete anos por influência de seu pai, José, que desde a infância sonhava em virar um pianista. Aos 21 anos, apresentou-se pela primeira vez no Carnegie Hall, em Nova York. No auge de sua carreira de pianista, tocou com as maiores orquestras norte-americanas e gravou a obra completa de Bach para piano. Aos 25 anos, já consagrado como um dos grandes pianistas do mundo, João Carlos sofreu uma queda enquanto jogava futebol no Central Park, em Nova York, que atingiu o nervo ulnar e provocou atrofia em três dedos, obrigando-o a parar de tocar. Depois de um ano, voltou a tocar com dificuldade. Abandonou a carreira aos 30 anos.
Após sete anos longe do piano, decidiu voltar aos palcos, recebendo excelentes críticas da imprensa e a aclamação do público. Nesse período, porém, descobriu que desenvolveu distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort). Novamente abandonou a carreira. A paixão pela música fez com que ele retornasse anos mais tarde e, mesmo com sequelas, que o forçaram a adaptar novas formas de tocar, iniciou a gravação da obra completa de Bach.
Em 1995, em um assalto na Bulgária, foi golpeado na cabeça com uma barra de ferro, que provocou uma sequela neurológica, comprometendo o movimento da mão direita. Por meio de reprogramação cerebral, conseguiu recuperar os movimentos e voltou a tocar com as duas mãos. Entretanto, esse procedimento médico deixou sequelas no braço direito e na fala. Decidiu passar por um novo procedimento cirúrgico para corrigir o problema e teve os seus movimentos da mão direita afetados. Antes, porém, terminou a gravação da obra completa de Bach para o piano. Passou a fazer apresentações apenas com a mão esquerda.
João Carlos foi surpreendido pelos médicos com a notícia de que havia desenvolvido Contratura de Dupuytren na mão esquerda. Embora tenha passado por um novo procedimento cirúrgico, João Carlos acabou perdendo o movimento da mão esquerda, o que o inviabilizou novamente de tocar piano. Em 2002, teve que parar de tocar, e, dessa vez, acreditou seria para sempre.
Em 2004, aos 64 anos, João Carlos iniciou os seus estudos de regência. Seis meses depois, apresentou-se com sucesso em Londres, Paris e Bruxelas, como regente convidado, imprimindo em suas interpretações a mesma dinâmica que fazia quando pianista. Em 2006, idealizou a Fundação Bachiana, com a missão de levar a música clássica às pessoas que pouco, ou nunca, ouviram falar dela. Construiu uma sólida carreira com a sua Bachiana Filarmônica SESI-SP, a primeira orquestra brasileira a se apresentar no Carnegie Hall (2007). Atualmente, a Fundação Bachiana mantém oito núcleos de musicalização para crianças e jovens pelo Brasil e tem realizado cerca de 80 apresentações por ano. Mesmo com todas as limitações físicas, no final dos concertos João Carlos costuma deixar a regência e sentar-se ao piano para rápidas e emocionantes apresentações.