Ainda repercute no mundo a votação ocorrida no Parlamento Europeu, na última terça-feira, envolvendo questões de direitos autorais na internet. O texto final da Diretiva Europeia de Direitos Autorais Digitais, definido depois de meses de negociações envolvendo Comissão Européia, Conselho Europeu e Parlamento Europeu, foi votado e aprovado pelos eurodeputados – 348 votos a favor e 274 contra. A nova Diretiva, a ser implementada em breve pelos 27 países membros do bloco, deverá garantir aos criadores de conteúdos musicais, audiovisuais, jornalísticos e criativos em geral um nível de proteção sem precedentes no continente. A decisão tomada na Europa certamente servirá de base e influenciará na legislação de países de outras regiões.
As grandes empresas do ambiente online não queriam as mudanças, alegando que causariam incerteza jurídica e prejudicariam as economias criativa e digital da Europa. Grandes corporações, como Google, Facebook e Amazon, entre outros, investiram milhões de dólares em campanhas e fizeram lobby para tentar convencer os deputados a votar não. Os dois pontos principais criticados pelos gigantes da rede são os antes conhecidos como artigos 11 e 13 da Diretiva e mudados para, respectivamente, 15 e 17 na redação final do documento.
No caso do artigo 15 (ex-11), a polêmica se deve ao fato de o texto dar a editores de jornais, revistas, cadeias de TV, administradores de sites de notícias e outros meios informativos o direito de receber algo pelo compartilhamento de seus conteúdos através de redes sociais (Facebook, Twitter) ou agregadores de notícias (Google News). Já o artigo 17 (ex-13) obriga agregadores de conteúdos de terceiros (YouTube/Google) a se responsabilizar pelas licenças de conteúdos protegidos (audiovisuais, musicais e de texto) exibidos em suas plataformas, mesmo as alimentadas por usuários. Para isso, a Diretiva prevê a instalação de filtros de varredura automática. Em ambos os casos, as gigantes da internet falaram em censura.
Entidades internacionais representantes de artistas e criadores de conteúdo, como a Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores, Cisac (da qual a UBC é a representante brasileira), se engajaram numa campanha para conscientizar os eurodeputados a aprovar a Diretiva negociada entre Comissão Européia, Conselho e Parlamento Europeu. Presidida pelo compositor francês Jean-Michel Jarre, a Cisac criou a campanha “Apenas Diga Sim” (“Just Say Yes”), pedindo que compositores, músicos, intérpretes, editores e outros integrantes da cadeia musical em todo o mundo gravassem vídeos com o mote da campanha em suas próprias línguas e enviassem o material à entidade. Vídeos dessas gravações (no Brasil, nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil aderiram à campanha) foram publicados pela Cisac de modo a chamar a atenção dos parlamentares antes da votação.
“O que marca a diferença entre democracia e caos é a definição das regras que assegurem igualdade para todos, e essa é uma questão mais relevante do que nunca na era digital. O Google, por exemplo, se define como um mecanismo de busca: para sê-lo, ele precisa de um conteúdo que todos possam encontrar. A empresa se ampara, entre outros, no nosso conteúdo — deveríamos, portanto, ser considerados, num certo sentido, acionistas da companhia, e as futuras gerações de criadores deveriam, de igual maneira, receber sua parte na distribuição dos lucros”, afirmou o presidente da Cisac.
“A vitória de terça-feira foi um conquista além-fronteiras. Vai ser referência e exemplo para futuros marcos legais a curto e médio prazos. Sinaliza um movimento de maior respeito e equilíbrio pela propriedade intelectual e pelos criadores de todas as áreas na rede, não apenas na música”, celebra Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC. “A aprovação da Diretiva revela a força da comunidade criativa global. O Brasil se espelha muito na Europa para as questões autorais. Instrumentar este passo gigante do último dia 26 é o nosso caminho.”
A Comissão Européia começou a rever as regras há dois anos para proteger uma indústria avaliada em 915 bilhões de euros (ou U$ 1,03 bilhão) por ano, que gera 11,65 milhões de empregos e representa 6,8% da economia dos países da União Européia.
Na prática, a partir das novas regras, o Google e outras plataformas online devem assinar contratos de licenciamento com músicos, artistas, autores, editores e jornalistas para usar seu trabalho na Internet. O YouTube, o Facebook, o Instagram e outras plataformas também terão que instalar filtros para impedir que os usuários carreguem sem autorização conteúdos onde não haja acordos para recolhimento de direitos autorais.