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Os cuidados com a voz durante o Carnaval

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O Carnaval chegou e com ele, milhares de cantores e foliões soltam a voz, entoando os grandes hits do período mais festivo do ano. São horas e horas exigindo muito desse instrumento tão importante para a comunicação, seja cantando os sambas-enredos das escolas de samba, marchinhas nos blocos de rua ou os sucessos de vários estilos nos trios elétricos. Com certeza, você já passou por isso ou conhece alguém que ficou rouco após uma maratona dessas.

Agora, pense nos cantores que tem na voz o meio de ganhar a vida. Se, ao longo do ano, eles já precisam ter cuidado com seu instrumento de trabalho, imagine no Carnaval. Conversamos com o preparador vocal Wilson Gava, que nos falou sobre como evitar problemas na voz, em decorrência desse esforço.

Portal SUCESSO!: Qual é a preparação indicada para o artista que vai enfrentar uma maratona de vários shows seguidos durante o Carnaval?

Wilson Gava: O cantor pode – e deve – tomar agua durante a apresentação. É mito que isso pode desaquecer a voz, muito pelo contrário. Nosso corpo é formado por quase 70% de água e quando nos hidratamos tudo funciona melhor, inclusive a voz. Devemos evitar água gelada durante as apresentações. Isso às vezes pode ser refrescante, mas também pode gerar uma espécie de choque térmico e não vale o risco.

Maçãs fazem bem. Não é bom hábito comer muito antes de dormir, principalmente frituras ou alimentos de difícil digestão. Depois das apresentações a alimentação deve ser leve e incluir sucos, frutas e alimentos leves e deitar somente depois de uma hora e meia depois, no mínimo, para evitar o refluxo. Um dos maiores vilões para quem canta é o refluxo gastresofágico. De modo simples, esse é um fenômeno que pode acontecer quando deitamos com o “estômago cheio” e durante a noite o suco gástrico sai do estomago e ataca o esôfago e chegando a irritar a região laríngea e faríngea. Sem deixar nenhum gosto na boca, na maioria das vezes a pessoa nem percebe. O único sintoma é a voz que amanhece ruim, sem motivo aparente. Os cuidados também incluem exercícios de aquecimento e desaquecimento também.

O volume altíssimo do som pode fazer com que o cantor force mais a voz, causando problemas? Se sim, como evitar isso?

Não há como competir com 10 mil watts de som no grito. A voz não aguenta isso. Então cuidar do retorno, dos microfones e fazer uma boa passagem de som, privilegiando a voz, é essencial.

Há algum outro cuidado a ser tomado antes da apresentação em si?

Além das questões vocais, a preparação profissional para as ações do cantor no carnaval deve incluir uma atenção especial durante a escolha do repertório. Digo isso porque se o artista vai cantar por quatro ou cinco horas seguidas, ou mais, é fundamental que 95% do repertório esteja em tons confortáveis, para que ele “não force a voz”.  Estar bem preparado é escolher bem as músicas e os melhores tons para a própria voz. Afinal, não há técnica vocal que resista há muitas horas seguidas de repertório em tonalidade errada.

Cantores de trio elétrico e os que fazem bailes sabem bem disso, principalmente aqueles que cantam com banda em formação clássica de carnaval (que incluem marchinhas), onde os músicos dos metais acabam escolhendo os tons que muitas vezes são muito agudos ou muito graves para o cantor. O ideal é que o cantor já prepare um set list (repertório) com a indicação de todos os melhores tons para os músicos. Em produções mais estruturadas o diretor musical pode dar uma grande ajuda nisso.

A preparação vocal em um período como o Carnaval é diferente daquele em um período “normal”?

De certa forma sim. Os cuidados vocais são os mesmos, mas a estrutura de um show convencional é bem diferente das apresentações no carnaval, onde o cantor canta por mais tempo, durante dias seguidos e com condições mais instáveis, em termos de palco. Quando o artista define o repertório para um show pode optar por alguns tons menos confortáveis em alguns momentos. Os shows são apresentações com menor duração e devem causar maior impacto. Tons mais agudos fazem isso e artisticamente valem a pena. O artista também conta com condições mais controladas de som e retorno, o que favorece performances vocais mais arrojadas.

As recomendações são iguais para qualquer artista, ou cada caso é tratado de forma individual?

Essas orientações valem para todos os artistas. Mas a preparação vocal é um caminho individual, que deve ocorrer durante a vida toda. Existe muita confusão a esse respeito ainda. Uma coisa é a saúde vocal: cuidar da voz, da saúde. Outro ponto é se aprofundar tecnicamente para tirar mais do próprio corpo em termos de qualidade vocal. Por último, o aspecto artístico. Esse representa entreter melhor, usar todos os recursos da voz e do corpo para tocar mais as pessoas com a música que se faz. Esse deve ser o maior objetivo de qualquer artista. Esses três aspectos estão ligados, mas são coisas diferentes e podem ser aprimorados.

Nada disso cancela o mérito do dom. Muito pelo contrário, esse é o caminho da excelência artística. É parecido com o esporte. Já foi o tempo que alguém descobria um craque, e colocava o jogador em campo. Hoje existe uma equipe de preparadores, de estratégias de equipe, de tecnologia que envolve o esporte no mundo todo. Não é só raça. É raça com trabalho profissional e tecnologia. Por isso a vida útil do atleta aumentou e o esporte ganhamos uma geração de superatletas. Assim é na música também.

Por esses motivos que todo artista deve estudar, não só voz e corpo, mas tudo. Deve ser um buscador da essência de tudo o que vê. Deve conhecer a vida e a si mesmo de modo profundo. O verdadeiro artista é um tipo de líder, é quem dá a direção. É alguém especial que deve deixar a sua marca no mundo, pela diferença que é capaz de gerar na vida das pessoas. Independente de aula ou preparação eu considero que um verdadeiro artista nunca deve se considerar pronto. A arte está ligada às formas de expressão, ao momento em que vivemos e ao que somos. E essa busca nunca acaba.

Caso esses cuidados não sejam seguidos, há chance de o cantor desenvolver problemas vocais em curto prazo?

Sim. Existem diversos tipos dos chamados “calos nas cordas vocais” que se pode evitar. Quem canta profissionalmente não deve conduzir os cuidados vocais de modo amador. A voz é o bem mais precioso de qualquer cantor, ator, palestrante, professor ou orador. O Brasil é um dos líderes quando o assunto é voz profissional e estética vocal. Costumo receber pessoas do mundo todo em meu estúdio. Algumas universidades brasileiras contam com pesquisas pioneiras nesse campo.

Mesmo para quem não é cantor, a voz deve estar mais consciente. Ela influencia todas as nossas relações. Não adianta ter uma boa imagem maravilhosa e uma voz ruim. A nossa voz é a nossa imagem sonora no mundo. A pessoa cresce quando se apresenta bem e fala bem, com uma boa voz. Muita gente investe mais em roupa do que em voz. A boa notícia é que a voz, além dos aspectos da saúde, pode ser aprimorada e muito desenvolvida. Aliás o grande segredo para uma carreira de sucesso é o trabalho. Eu digo que não há azar que resista ao trabalho.

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