Entrevistas

Roger Moreira, do Ultraje, ainda com muito a dizer

ultraje a rigor 1

Poucas bandas “disseram” tanto quanto o Ultraje a Rigor em seu álbum de estreia, Nós vamos invadir sua praia. Considerado pela crítica um dos melhores discos da história da música brasileira, aquele LP de 1985 emplacou nada menos do que oito sucessos nas rádios, inovando com a linguagem debochada, mas politizada do guitarrista e vocalista Roger Rocha Moreira. As canções de Roger ironizavam sentimentos como vaidade, ciúme e hipocrisia, além de disparar contra a incompetência de políticos e eleitores. Versos como “a gente não ‘sabemos’ escolher presidente” e “a gente faz trilho e não tem trem pra botar”, ambos da clássica Inútil, mantém-se atuais 30 anos depois.

O Ultraje gravou outros discos importantes nos anos seguintes, mas aos poucos os intervalos entre um novo trabalho e outro foram aumentando. O próprio Roger brincou com o fato em Nada a declarar, justificando na letra deste single, lançado em 1999, que “não tinha nada pra dizer”. Mal sabia ele, à época, que tanto ainda diria, menos em canções, mas muito em redes sociais e até num talk-show líder de audiência – The Noite, com Danilo Gentili, pelo SBT. Com conta no Twitter desde novembro de 2008, Roger já acumula mais de 150 mil posts na página, soltando o verbo com o mesmo lado crítico dos anos 80, talvez agora com um pouco menos de sarcasmo. Porém, mesmo patrulhado pelos simpatizantes da esquerda, não perde o bom humor. E teve, sim, muito a declarar na entrevista que concedeu abaixo à reportagem de SUCESSO!.

SUCESSO! – Você ainda compõe com frequência?
Roger – Menos do que antes, já que me falta motivação para novas composições. Ainda sei compor, claro, embora esta nunca tenha sido minha maior vocação. O que eu mais gosto é de tocar. Antes de compositor ou vocalista, sou músico. O Ultraje surgiu como um grupo de covers, porque tocar era mais importante pra mim e para os outros integrantes do que compor nossas próprias músicas. E compor sempre foi algo muito pessoal. Eu escrevia muito sobre mim, apesar de minha timidez. Então nunca foi um processo fácil. Mas ainda faço algumas vinhetas para o programa (The Noite) e gosto de produzir em casa, sem compromisso. Gravo muita coisa no próprio celular. Mas aquela inspiração maior pra compor já passou.

Então não há nenhum disco de inéditas nos planos da banda?
Nada programado, mas nada nos impede de gravar mais pra frente. É que, sinceramente, é difícil pensar hoje em dia em projetos fonográficos. A indústria musical de antes não existe mais. Mesmo com toda a tecnologia, sendo muito mais fácil gravar, hoje não há o mesmo suporte de antigamente. Sou músico. O ideal é entrar num estúdio pensando apenas na música que vou gravar. Sem preocupação com o tempo disponível, com a produção, responsabilidades que antes eram da gravadora. E não sou vendedor, nem gerente de marketing, pra pensar depois na divulgação, distribuição, valores….

Acha que ainda vale a pena gravar um CD físico?
É curioso, porque hoje em dia você encontra um fã e às vezes ele te pergunta se você tem um CD pra dar (risos). Acho tão estranho. Os CDs são feitos agora pra divulgar o trabalho do artista. Pra ser dado. Isso é praticamente um ‘dumping’ (risos). Quem vai querer comprar discos, se alguns artistas dão de graça? A verdade é que antes a gente se divulgava na noite, fazendo shows, mostrando nosso trabalho ao vivo.

Nós vamos invadir sua praia foi o primeiro LP de rock no Brasil a ganhar Discos de Ouro e Platina. É exagero apontá-lo como um dos dez maiores do rock e um dos mais importantes discos da música brasileira?
Sou suspeito pra falar, mas não creio ser exagero. Certamente não sou o único a achar isso. A canção Inútil, que é desse disco, foi eleita pela Folha de S.Paulo uma das dez melhores da música brasileira no século XX. É inclusive o único rock entre as dez primeiras. O álbum entrou também em listas da Bizz, da Rolling Stone e de outras revistas e jornais. E eu nunca votei (risos). Nós vamos invadir…, Cabeça dinossauro, dos Titãs, e o segundo LP da Legião (Dois) sempre aparecem nesses rankings.

Você ouve as novas bandas brasileiras?
Ouço muitas bandas novas, daqui e de fora. A Scalene, por exemplo, é muito boa. Mas acho que falta força no meio. Algumas bandas surgem, fazem um pouco de sucesso, mas não originam um movimento. Há pouco espaço para elas nas rádios.

Em 1999, o Ultraje lançou a canção Nada a declarar. Imaginava que teria tanto a dizer e escrever mais de 15 anos depois?
Acho que não, mas as coisas mudaram muito. Pra pior. Hoje sou patrulhado simplesmente por exercer meu direito de patrulhar o governo. Existe censura grande na internet. Por outro lado, vários idiotas por aí não entendem nada e opinam sem embasamento nenhum. Não sou obrigado a respeitar as asneiras que leio por aí. Eu estudo e leio muito sobre política, história, procuro me informar sobre um tema antes de escrever sobre o mesmo. Não vou comentar sobre motor de caminhão, porque certamente falarei bobagem. Regredimos muito… Acho que muita coisa que escrevi nos anos 80, muitas letras admiradas na época, hoje seriam censuradas ou ridicularizadas. O mundo está mais burro.

E musicalmente, o mundo também piorou?
Ainda tem muita coisa boa, inclusive no Brasil. Mas sem tanto espaço. Outro dia li uma matéria que analisava a qualidade das letras de hits internacionais. Pegaram singles da Beyoncé, por exemplo, e concluíram que as letras eram quase infantis. Infelizmente, isso não se restringe aos ídolos do pop americano. Sinto que a palavra “artista” perdeu o sentido de alguém que faz arte. Artista hoje é sinônimo de celebridade.

O que acha dos serviços de streaming?
Sou assinante do Apple Music. Acho o máximo. Lembro da dificuldade que tinha na adolescência pra ouvir lançamentos, pra ter informações sobre os artistas. Ficava ouvindo as rádios, esperando que tocassem determinada música. Carregava uma pilha de discos pesados pra cima e pra baixo, pra ouvir com os amigos. Hoje é outro papo, é livre escolha. Não sei bem como funciona o pagamento disso para os artistas mas, como consumidor, acho ótimo.

Graças ao The Noite, o Ultraje tem a oportunidade de tocar diariamente na TV aberta. Ainda assim, já li críticas a você nas redes sociais por fazer parte do elenco do programa…
É um privilégio fazer parte do programa. Recebi o convite do Danilo em 2010. Eu era fã do David Letterman e até do Johnny Carson (lendários apresentadores de talk-shows nos EUA), que eu assistia quando morava nos EUA. Então sabia exatamente qual seria a minha função. Além de tocar, também cuido de toda a parte musical, escolho as canções para a entrada dos convidados. Acho sensacional. E gravo duas vezes por semana, não atrapalhando a agenda de shows. Acho importante o artista saber se adaptar. Tem artistas que mudam o estilo de sua música, tem artistas que viram apresentadores, jurados de reality shows, não vejo nenhum demérito nisso. Pelo contrário.

Falando nisso, aceitaria ser jurado de um reality musical?
Não gostaria de julgar o trabalho de alguém. Até porque imagino que seria meio rigoroso. É uma posição meio pedante, ficar cagando regra pra outros artistas. Tem outra coisa: o candidato fica três meses no ar e depois some. Porque é um negócio meio fake, sem personalidade, meio forjado. Já imaginou um Cazuza em início de carreira participando de um reality? Iriam dizer que ele era fanho, que jamais faria sucesso.

O Ultraje segue fazendo muitos shows? O que vocês tocam atualmente, além dos grandes clássicos da banda?
Fazemos agora menos shows, um pouco pelo fato de eu não viajar de avião. Então posso escolher mais pra onde ir (risos). O repertório traz todos os nossos sucessos, alguns covers, algumas brincadeiras de improviso… E procuramos não mudar, pelo menos não conscientemente, os arranjos. Porque eu detesto quando vou a um show de alguém e o cara toca um sucesso de uma maneira diferente.

Falando de política, a música teve destaque na luta contra a ditadura militar nos anos 60 e 70. Sente que hoje em dia os artistas estão mais acomodados politicamente?
Isso é algo que falo desde os anos 90. Temos muitos artistas “vaselina”, que não querem se indispor. Mas na ditadura isso também já acontecia. O pior é que tem também os artistas que te patrulham. Que tem interesse no governo ou que caem naquele papinho de esquerdistas: que o objetivo deles é ajudar os pobres, as minorias… O problema é que a esquerda é muito cativante, principalmente pra estudantes, que ainda não tem noção de como é o mundo. Insistem com esse papo que somos contra os pobres. Isso não existe. Somos contra a esmola. Temos que dar meios para a população prosperar. Até porque cada dia que passa tem mais gente vivendo de bolsa-família. Se funcionasse, teríamos cada vez menos gente recebendo. Isso tudo me revolta.

Arrepende-se de ter “comprado” essa briga na internet?
Não, foi bom ter entrado nessa, até porque motivei outras pessoas a entrarem também. Mesmo tendo que aturar xingamentos gratuitos e ofensas de quem não sabe e não tem condição de debater comigo. Escrevo em cima de fatos, números, pesquisas, ao contrário de alguns idiotas. E aí estão incluídos jornalistas que são manipulados e pagos pelo governo. Esses caras querem, na verdade, jogar uns contra os outros. Isso não é paranoia da minha cabeça. Eles realmente tentam denegrir quem pensa diferente. E os mais ingênuos não se tocam que a luta pelo fim da ditadura, pra esses caras, na verdade foi apenas uma luta pra instituir outra ditadura.

A “barriga pelada” continua sendo a “vergonha nacional”, como diz a letra de Pelado (sucesso gravado em 1985)?
Não só a barriga pelada, mas as obras superfaturadas, a violência… Na verdade, a “barriga pelada” era simbólica. Representava não só a fome, mas a falta de cultura, de saneamento… A fome pode ter diminuído, mas muita coisa piorou. Nosso país ainda é uma piada.

Mais de 30 anos após o surgimento da banda, dá pra dizer qual é o grande legado do Ultraje a Rigor?
A gente criou algo importante, sem dúvida. Temos o nome na história do rock nacional e músicas que vão tocar ainda por um bom tempo. Mas é uma importância subjetiva. Como um selo raro, que pode valer muito para um colecionador e ser apenas uma velharia pra quem não liga pra isso. Nunca me preocupei em fazer parte da história, até porque ninguém vive de “importância”. Mas é legal saber que o Ultraje influenciou algumas bandas e pessoas.

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