Entrevistas

Junior Camargo e o sucesso da 89 FM

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Lançada em outubro de 1980, a canção (Just like) Starting over foi o primeiro single de Double fantasy, último álbum de John Lennon. Um dos versos da faixa, “Time flies so quickly” (o tempo voa tão rapidamente), foi escrito pelo ex-beatle em alusão aos cinco anos em que ficou sem gravar. Já o título da música sinalizava um “recomeço” de carreira. Ironicamente, a canção alcançou a liderança das paradas americanas apenas alguns dias depois da morte do artista, em dezembro daquele mesmo ano.

Se o “recomeço” de Lennon foi interrompido covardemente por uma bala maldita disparada por Mark Chapman, a história do rock traz alguns outros retornos com finais bem mais felizes. Foram voltas triunfais de bandas que haviam optado por “dar um tempo” ou mesmo o reencontro com as paradas e o carinho do público após um flerte com o fracasso. Aerosmith, AC-DC e, mais recentemente, Guns n´Roses, são alguns exemplos óbvios. Por aqui, Capital Inicial e Ira! também servem como ilustração das linhas acima.

Como se observasse num espelho a trajetória de tantos ídolos que tocam com frequência em sua programação, a 89 FM, de São Paulo (89,1 MHz), também experimentou a prazerosa sensação do renascimento artístico e comercial. Surgida em 1985 e consolidada nos anos 1990 como a principal FM roqueira da capital paulista, a rádio amargou um período de baixa a partir de 2005, perdendo posições para emissoras do segmento jovem, o que impulsionou mudanças na direção, time de locutores e programação. Foram seis anos numa fase “pop”, que até gerou ótimos resultados, mas acabou tirando um pouco da identidade da emissora.

Em 2012, apesar de bons números no Ibope à época, a diretoria decidiu pelo encerramento das atividades da rádio, notícia que pegou a audiência de surpresa. No entanto, apenas alguns dias depois, teve início uma das mais incríveis reviravoltas do FM brasileiro. A história é até bastante conhecida no meio: naquele que seria apenas um dos últimos programas da rádio, os apresentadores Tatola e Roberto Maia resolveram avançar no horário determinado e invadiram a madrugada, improvisando totalmente a programação musical e fazendo juras de amor ao rock e à emissora que agonizava.

A atuação da dupla causou barulho nas redes sociais e uma certa comoção nos ouvintes fieis da Rádio Rock. Foi aí que caiu a ficha de Junior Camargo, diretor da emissora. “A 89 sempre foi uma rádio muito querida em São Paulo, mas não havia números que pudessem comprovar esse sentimento naquele momento. A rádio realmente iria acabar, mas aquela atitude do Tatola me encheu de esperança e coragem para lutar pela volta da 89 como ‘A Rádio Rock’. Não tínhamos dados ou pesquisas sugerindo a mudança, apenas feeling”, explica Junior, como é chamado por todos na emissora.

Além de recolocar o rock como carro-chefe da programação e voltar a intitular a emissora com o complemento “A Rádio Rock”, o diretor acumulou a gerência artística da FM, passando a se envolver em todas as decisões da casa. Uma delas foi manter ou recontratar alguns dos profissionais mais ligados à fase áurea da 89, tais como os locutores Zé Luis, Luka, Cadu Previero, Yuri e PH Dragani. “Eles são patrimônio da 89 e do próprio rádio de São Paulo. É um orgulho poder trabalhar com todos eles. Sem essa galera, sem o Tatola, o Maia e outros grandes profissionais de nossa equipe, nosso atual sucesso não seria possível”, reconhece.

E quando Junior fala em “sucesso”, ele se refere, entre outros feitos, à incrível média de 100 mil ouvintes por minuto, com uma cobertura de um milhão e meio de pessoas em sete dias. A grande maioria destes ouvintes pertence à classe AB, com média de idade entre 20 e 39 anos. Esta é a maior audiência da história da 89, embora a rádio já tenha ocupado posições melhores no ranking, já que antigamente existiam menos emissoras. Outro detalhe importante: a internet (site e aplicativo) já representa 12% da audiência total da rádio.

Os números se tornam mais impressionantes se levarmos em conta que o rádio brasileiro hoje é amplamente dominado pela música sertaneja. “Pouquíssimas rádios tocam atualmente o que nós tocamos. O que não nos ajuda em nada, muito pelo contrário. Atrapalha o fato de não termos ‘aliados’ pelo Brasil, principalmente porque as bandas novas sofrem muito para conseguirem seu espaço, o que dificulta o fortalecimento do rock. Sem falsa modéstia, nesse cenário atual do nosso País, dominado pelo sertanejo, é realmente um fenômeno esse sucesso da 89”, celebra Junior Camargo.

E o que toca na Rádio Rock? A pergunta pode parecer tola, mas há de se considerar a enorme variedade de subgêneros originados a partir do rock – ele próprio, uma evolução de gêneros como country, r&b e blues. Junior explica que o objetivo da rádio é ser o mais abrangente possível: “Mas sem perder nossa essência, que é o espírito do rock. Um exemplo é a Amy Winehouse: não é roqueira, mas tinha uma atitude que poucos artistas de rock mostram e, por isso, faz parte da programação. Novos nomes, como Twenty One Pilots e Alabama Shakes, também tocam pela atitude. Aliás, eles tem duas das canções mais tocadas na rádio em 2016 (ver parada abaixo). Tocamos mais canções internacionais do que nacionais (70% contra 30%) e 60% de clássicos, contra 40% de novidades”.

Se a programação musical é bem diferente das ouvidas na maioria das outras emissoras paulistanas, a grade de atrações procura não fugir do formato de talk shows, com entrevistas, curiosidades, informação e prêmios. “Do Balacobaco 2.Zé”, “Quem Não Faz Toma” e “Show do Tatola” são alguns dos programas mais ouvidos, todos com vários apresentadores e muito bate papo. “Acredito ser essa uma tendência de todas as rádios do mundo”, diz Junior. Tendência que é estendida também a atrações semanais da casa, exibidas durante a noite. Com outro diferencial: quase todas são apresentadas por nomes importantes do rock nacional, como João Gordo, Andreas Kisser, Kid Vinil, Branco Mello e Felipe Machado. “Fico honrado por ter profissionais deste nível aqui. No fundo, são grandes amigos que agregam muito para o dia a dia da rádio”, resume o diretor.

Como nenhum programa da 89 é retransmitido para outras emissoras e, por enquanto, não há nenhum projeto de criação de uma rede, Junior e sua equipe tem a vantagem de trabalhar pensando apenas no público de São Paulo. O que não significa dizer que a preocupação se restrinja à audiência de rádio. “Nesse momento nossos esforços se dividem entre rádio, site, aplicativo e redes sociais. A internet é uma ferramenta muito importante, que proporciona um outro envolvimento pra gente, já que o rádio não tem imagens. Além disso, procuramos estender os destaques da programação da rádio às redes sociais, além de produzir conteúdo exclusivo e também reproduzir material postado pelas próprias bandas. Um exemplo foi a bela homenagem feita pelo Guns ao time da Chapecoense”.

Tendo completado 31 anos no dial paulistano em 2016 – trata-se de uma das FMs mais veteranas da capital paulista –, a 89 manteve, no mês de outubro, a tradição de celebrar seu aniversário com um grande evento, arrebanhando para o mesmo seu público fiel. Cerca de oito mil pessoas pagaram ingresso para curtir um tributo ao Charlie Brown Jr., no Espaço das Américas. Mais uma comemoração, segundo o diretor da rádio, bastante especial: “Foi uma experiência incrível poder juntar os amigos e familiares dos integrantes do Charlie Brown, além de vários músicos consagrados. Tenho certeza que, como eu, muitas pessoas ficaram emocionadas nesse dia”.

O sucesso da festa pode render outro evento grandioso em 2017. Ainda está no papel, mas se trata de um dos grandes projetos da 89 para 2017: a realização de um tributo ao Mamonas Assassinas. Por sinal, foi na 89, em julho de 1995, que o hit Vira vira foi tocado pela primeira vez no rádio paulistano. Um grande marco, sem dúvida, na trajetória da emissora.

Mais de 20 anos depois, a 89 segue em busca de novidades, abrindo espaço para novas bandas e se alinhando com as novas tecnologias. “Nosso maior desafio é continuar sendo relevante num mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo e a informação e a geração de conteúdo valem ouro.”, finaliza Junior. Vida longa à cada vez mais popular (mas não pop) Rádio Rock.

As cinco canções mais tocadas na 89 FM em 2016
1 – Twenty one pilots – Stressed out (458 execuções)
2 – Coldplay – Adventure of a lifetime (348)
3 – Red Hot Chilli Peppers – Dark necessities (340)
4 – Alabama Shakes – Always alright (338)
5 – O Rappa – Uma vida só (232)

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