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Relembre um pouco dos 100 anos de Mario Zan

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O músico e compositor Mario Zan, se vivo, completaria 100 anos no último dia 8 de outubro. Autor de sucessos como “Chalana”, “Dizem Que Um Homem Não Deve Chorar” e “Segue Seu Caminho”, o sanfoneiro nasceu Mario João Zandomeneghi em Veneza, Itália e chegou ao Brasil aos quatro anos. Seu pai José Zandomeneghi foi trabalhar na lavoura. A família se estabeleceu em Santa Adélia, próximo a Catanduva. Mas de acordo com familiares, desde cedo, nas festas, Mario não desgrudava os olhos dos sanfoneiros, que tocavam ritmos como rancheira, polca, arrasta-pé, valsa e balanceio (baião), muito populares no interior do país.

Aos seis anos, o menino Mario convenceu o pai a lhe comprar uma pequena sanfona, da qual não se desgrudou mais. Autodidata, ficou tão afiado no instrumento que, aos 10 anos, animou sua primeira festa, um baile de casamento. Mario era tão pequeno que teve que se apresentar em cima de uma mesa. “Quando a família decide se mudar para a capital paulista, Mario encontrou um outro mundo de possibilidades — uma cidade em processo de industrialização frenética e uma novidade que poderia mudar sua vida: o rádio. Estava mais disposto do que nunca a seguir a carreira”, explica Osmar Zan, filho do sanfoneiro.

O mercado fonográfico brasileiro começava a descobrir que as festas juninas poderiam ser um lucrativo contraponto às altas vendas que alcançavam o período carnavalesco e as festas natalinas. O fenômeno musical recente estimulou o instrumentista a apostar na música de temática junina como parte principal de seu repertório. Assim, ao longo das décadas de 1930 e 1940, Mario passou a criar músicas juninas que seriam gravadas por grandes astros da música popular e incorporadas às festas do gênero.

A primeira oportunidade para se apresentar no rádio aconteceu na Educadora Paulista, atual Gazeta. Participou do programa de calouros “Peneira Roldini” e levou o primeiro lugar com o choro Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). O primeiro emprego, no entanto, ele só conseguiu na recém-inaugurada rádio Bandeirantes. Ao chegar, conheceu Walter Foster, futuro galã da televisão, que lhe sugeriu o nome artístico que o consagrou. “Mario Zan, esse sim é um nome forte!”, teria dito Foster.

Em seguida, o músico teve uma breve passagem pela Nacional paulista. Como o Rio de Janeiro era o centro cultural e político de tudo — inclusive das gravadoras e emissoras de rádio –, Mario Zan juntou uns trocados e resolveu se aventurar na capital federal. De acordo com Osmar, o sanfoneiro procurou César Ladeira, diretor artístico da Mayrink Veiga. Sem nada conseguir com Ladeira, Mario decidiu voltar para São Paulo. Pouco antes de partir, seu caminho se cruzou com um outro sanfoneiro, um pernambucano que começava a abrir espaço no rádio carioca: Luiz Gonzaga. “Toquei algumas coisas e ele me cobriu de elogios. Ele era uma pessoa muito boa, sempre tentando ajudar os colegas”´, lembrou Mario Zan numa ocasião.

mario e luiz gonzaga

Mario Zan e Luiz Gonzaga nos anos 1950

Quando Mario falou que ia desistir do Rio, Gonzaga teria dito que aquela ideia estava fora de cogitação e que, em vez disso, ele começaria na semana seguinte como seu substituto na boate “Samba Dance”. Gonzaga explicou que, como o dono da boate estava abrindo uma nova pista de dança (Farolito), ele cuidaria da filial e Mario ficaria no seu lugar. “Não havia rivalidade com ele, como nunca houve comigo, cada um fazia o que sabia”, lembrou Mario em entrevista.

Do Samba Dance, ele foi para o Cassino Atlântico (Copacabana), onde ganhou o apelido de “Moleque da Sanfona”. De lá, se mudou para o badalado (à época) Cassino Quitandinha, de Petrópolis. Até que recebeu um convite para tocar durante as férias nas estações balneárias de Cambuquira, São Lourenço, Lambari e Caxambu.

Com o fim da temporada nos cassinos, Mario decidiu voltar para São Paulo, onde foi convidado pelo trio Nhô Pai (autor de “Beijinho Doce”), Nhô Fia e Capitão Furtado para acompanhá-lo numa excursão por cinemas do interior do Brasil que pertenciam à rede Paducci, dona de pelo menos 50% das salas de São Paulo, Minas e Mato Grosso.

Na década de 40, Mario Zan foi um dos pioneiros a fundar Editoras Musicais no Brasil “Carlos Gomes” e “Santos Dumont”, em sociedade com o compositor Messias Garcia, e José Cirino Leite. A Editora contribuiu para o cenário musical por muitos anos, editando várias musicas que foram grandes sucessos como “Boneca Cobiçada”, (Palmeira e Bolinha), “Perdão Para Dois” (Palmeira), “Coração de Luto” (Teixeirinha) e “Cinzas do Passado” (Mario e Cláudio de Barros). “A gente gostava de dar oportunidade para que novos autores surgissem, defendíamos assim o direito autoral e contribuíamos para a música brasileira”, disse ele em depoimento.  “A editora serviu como escola para grandes profissionais da música, como: Nonô Basilio, Zito Vieira e Mariazinha Vieira, entre outros”.

Foi o primeiro empresário a montar uma casa de forró em São Paulo, proporcionando um belo espaço de diversão aos nordestinos que migraram à capital paulista em busca de melhores condições de vida. Igualmente, virou figura “carimbada” em Brasília, na época de sua construção, onde ia realizar shows aos trabalhadores da construção civil.

Durante três meses, ele e o quarteto do Capitão Furtado percorreram dezenas de cidades do Sudeste e Centro-Oeste do país. Nessa mesma excursão, Mario compôs “Chalana”, uma de suas mais conhecidas músicas. “A inspiração me veio ao ver, da janela do quarto de um hotel em Corumbá, uma chalana subindo o rio Paraguai”, disse ele em entrevista. O que pouca gente sabe é que, com a Chalana foi-se um grande amor de Mario. Mario então, convocou seu parceiro Arlindo Pinto para compor a letra da faixa que tornou-se  símbolo e hino da região.

Ouça Sergio Reis cantando  “Chalana’, uma das canções mais conhecidas de Mario Zan: 

A primeira gravação em disco de Mario foi realizada em  1944 pela Continental. Naquele tempo, segundo o sanfoneiro, o músico ou cantor precisava ser muito conhecido no rádio para que tivesse uma oportunidade para gravar. O disco só vinha a partir de uma pesquisa informal de mercado: os vendedores diziam para os representantes das gravadoras quais os cantores não gravados que os compradores mais procuravam.O 78 rpm de estreia de Mario trazia a valsa “Namorados” e “El Choclo”, um tango argentino antigo, em ritmo de rancheira. Seu primeiro grande sucesso foi “Segue seu Caminho”, em parceria com Arlindo Pinto, que seria gravado depois por Solon Sales. Mais uma vez, Luiz Gonzaga ajudou o amigo. Como Mario vendeu muitos discos em 1946, Gonzaga sugeriu que o contratassem para ocupar seu lugar de solista na gravadora RCA Victor, onde gravaria mais de 300 discos 78 rpm e mais de 40 LPs. Posteriormente, passaria pelos selos Bervely, Copacabana, Chantecler, RGE e Fermata, entre outras.

A indicação de Luiz Gonzaga teve a ver com uma mudança em sua carreira que ocorria naquele momento. O pernambucano começava uma bem-sucedida experiência como cantor de suas músicas. Já em 1948, Mario Zan gravou um disco só com músicas juninas, quando criou a marcação cantada da quadrilha. Na era do LP, seus discos trariam essa marcação por escrito. A presença constante no rádio e na TV ou pelos discos levava Mario para todos os cantos.

Nesse momento, com a consagração do baião de Luiz Gonzaga e da longevidade de dezenas de marchas criadas nos últimos 20 anos, o São João se revigorava como a festa mais popular do país. Em todos os cantos, havia sempre uma sanfona para reverenciar o Santo. Eram os anos dourados de solistas de nível internacional como Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Luperce Miranda e Altamiro Carrilho, entre muitos — a maioria, intérpretes de choros.

A explosão de Mario Zan aconteceu em 1954, durante as comemorações do quarto centenário da fundação da cidade de São Paulo, quando homenageou a data com seu hino homônimo. “Quarto Centenário”, feita para celebrar a fundação de São Paulo, em 1954, e que virou hino da capital paulista. O disco vendeu um milhão de cópias em poucos meses e se tornou um marco na discografia nacional.

“Dizia-se na época que a marca superou de longe o número de vitrolas em funcionamento no país. Até quem não tinha o aparelho levou uma cópia para casa. Outros compraram mais de uma cópia, já que os 78 rpm quebravam com facilidade. E o disco continua em catálogo: acumula 10 milhões comercializados desde que surgiu em 78 rpm – depois reeditado em LP e na versão CD. A música chegou a ser gravada por uma das grandes bandas de jazz dos Estados Unidos, a Miami Jackson Band”, explica Osmar Zan.

O apogeu de Mario Zan aconteceu entre 1954 e 1964, quando ele esteve entre os artistas mais executados das rádios de todo o país. Sempre relacionado ao São João (abaixo, a capa de um álbum), era lembrado como uma figura indissociável da cultura paulistana. Sobre o São João, lamenta que a música tenha perdido muito de suas características depois da morte de Luiz Gonzaga, em 1989.

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“Não precisamos de letras com duplo sentido para alegrar as pessoas”, dizia Mario. “Gonzagão foi o rei de tudo isso cantando músicas bonitas, sem apelação de sexo”. Mario defendia que baião tinha de ser alegre, não ofensivo. “Acho que todos deveriam seguir a escola de Gonzaga e usar a música para falar dos romances e da cultura do Nordeste”, afirmava.

Durante os anos seguintes Mario Zan continuou investindo e animando centenas ou talvez milhares de festas juninas. Seus CDs e DVDs vendem todos os anos. “Toco o que o povo quer”, repetia Mario entusiasmado. Sempre que o chamavam de rei da sanfona, Luiz Gonzaga consertava: “Não, eu sou o rei do baião, o rei da sanfona é Mario Zan.” E se o rei disse, está dito!

Mario foi amigo de Mazzaropi, com que dividiu escritório por muitos anos. Contribuindo muito com seus filmes e incentivando inclusive seus filhos a participarem como figurantes. Mario participou de três filmes: “Tristeza do Jeca”, “Casinha Pequenina” e “Da Terra Nasce o Ódio”. Nos últimos anos Mario Zan apresentou juntamente com a sua filha Mariangela Zan um programa semanal, sertanejo, no canal de TV Rede Vida. No dia 08 de novembro de 2006 cala-se a sanfona de Mario Zan. O artista morre de uma fulminante parada cardíaca.

Mario Zan teve suas obras interpretadas por grandes artistas nacionais e internacionais, traduzidas para diversos idiomas (inglês, Espanhol, Frances, Italiano, Alemão e Japonês), sendo sua música “Dizem Que Um Homem Não Deve Chorar” (regravada inclusive por Julio Iglesias) acabou escolhida pela ONU para ser utilizada como o tema da campanha Mundial do Combate a Violência Contra a Mulher (veja o vídeo abaixo).

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