Alguns treinadores de futebol costumam dizer que é mais fácil assumir uma equipe em má fase do que chegar para trabalhar num time já campeão. A pressão, julgam esses profissionais, é menor. E os resultados dificilmente serão piores do que os obtidos pelo técnico anterior. O exemplo também vale no mundo corporativo e constantemente é citado por grandes executivos em palestras e convenções.
Nem todos, porém, pensam desta maneira. Um dia depois de assumir a direção artística da Alpha FM (101,7 MHz), uma das emissoras mais ouvidas e conceituadas de São Paulo, o carioca Eduardo Leite foi surpreendido com uma pesquisa do Ibope, que apontava a Alpha como nova líder de audiência entre as rádios do segmento adulto. O que para muitos seria uma dose extra de pressão, acabou servindo como incentivo ao profissional. “Encarei aquela notícia como um presente. Fui contratado com a missão de ‘rejuvenescer’ a programação, sem perder o foco ou mudar de público. Começar esse trabalho já na liderança me deu tranquilidade para fazer as mudanças necessárias”, lembra o radialista.
Eduardo iniciou a carreira há 31 anos, trabalhando na Rádio MEC, do Rio. A trajetória no rádio paulista começou na Nativa FM, em 1998. Ficou por lá durante cinco anos, até ser transferido para a Alpha (as duas emissoras faziam parte do mesmo grupo à época), onde já está há mais de 12 anos. A propósito, sem nunca ter deixado escapar o primeiro lugar no Ibope. O diretor explica na entrevista a seguir como aproveitou o “presente” recebido logo em sua chegada e conta algumas peculiaridades da Alpha.
SUCESSO! – A Alpha vem tocando mais músicas novas nos últimos anos. Há uma regra na programação em relação ao número de flashbacks e novos hits?
Eduardo – Sim, a cada 15 músicas tocadas, no período de uma hora, quatro são novas. Estabelecemos esse número logo em minha chegada. Há 12 anos, a programação era quase toda de flashbacks. Estava envelhecida. Minha missão foi justamente deixá-la adulta, mas não ultrapassada. O público alvo era o mesmo, mas queríamos ser mais abrangentes, incluindo novidades e buscando também o ouvinte que queria um hit atual entre um flashback e outro. Mas sempre mantendo a identidade da rádio. Deu e dá certo até hoje. Astros como Coldplay, Ed Sheeran e artistas nacionais como Tiago Iorc e Tiê, por exemplo, combinam muito bem com os sucessos mais antigos.
E as músicas internacionais seguem tocando mais do que as nacionais?
Sim, mas temos dado um destaque maior aos artistas nacionais nos últimos anos. A cada hora, tocamos três ou quatro canções brasileiras. Essa proporção já existia antes, mas a importância da música nacional dentro da programação era menor. Agora, ela assume um papel mais forte. Fazemos, por exemplo, muitos eventos com esses artistas. Eles acabam ganhando um espaço significativo na grade com os comerciais desses shows que produzimos ou apoiamos. Sem falar que estão sempre em destaque no site e nas redes sociais da Alpha.
Não há espaço para talk shows na Alpha?
Somos consolidados em três pilares: música, informação e cultura. Quando o ouvinte sintoniza a Alpha, quer música. Porém, é um ouvinte que também se preocupa em estar antenado com o que acontece ao seu redor. Então, damos a ele uma nota jornalística por hora, além de um maior número de informações nos períodos da manhã e fim de tarde. E se acontece algo importante, nosso plantão entra no ar imediatamente. Mas sem se aprofundar tanto. Damos preferência à grande maioria da audiência, que prefere seguir com música após ouvir a notícia. A Alpha também traz pílulas com destaques sobre carros, futebol, cotidiano e gastronomia, além de apoiar peças de teatro e, obviamente, muitos shows.
Existe uma preocupação atualmente em falar para novos públicos?
Nosso foco é sempre o público entre 35 e 45 anos. Homens e mulheres, de preferência 60 ou 70% de mulheres, até porque, como dizem, onde tem mulher, vai homem atrás. Se der pra conquistar alguém fora desse perfil, ótimo, mas a maior preocupação é manter esse público decidido, exigente, em sua maioria pertencente às classes A e B, na faixa etária já citada. Até porque, vale lembrar, a Alpha é a única emissora de São Paulo que nunca teve mudança de público alvo.
Os números de audiência estão dentro dos objetivos da casa? É possível chegar um dia à liderança geral?
Os números são ótimos. Nesses últimos 12 anos, nunca perdemos a liderança no segmento adulto. E a dividimos apenas duas vezes, uma com cada uma de nossas concorrentes, Nova Brasil e Antena 1. Porém, em média, temos mantido uma boa vantagem, conseguindo a soma de audiência de ambas. Agora, sonhar com o primeiro lugar no geral, aí já é quase impossível. A meta é manter essa audiência, sem perder a qualidade. Respeitando o estilo dos ouvintes. E, mais importante do que ser quarto ou quinto no geral, é continuar sendo líder em nosso segmento.
Quais foram as canções de maior sucesso na Alpha em 2015? Mais: é possível apontar quais seriam os artistas preferidos de seus ouvintes?
A nacional mais tocada no ano passado foi “A Noite”, de Tiê. Entre as internacionais, houve mais equilíbrio, mas eu diria que dois novos artistas dominaram a parada o ano todo: Sam Smith e Ed Sheeran. Quanto aos preferidos pelos nossos ouvintes, acho que a Marisa Monte é unanimidade. Mas tem Djavan, Lulu Santos, Marina Lima, Rita Lee, cada um deles com mais de 20 músicas tocando na programação. Contrariando a cartilha do rádio, nossa playlist é muito abrangente. Tocamos várias músicas de um mesmo artista, ao contrário da maioria das emissoras. E isso vale também para os internacionais, como Lionel Richie, Stevie Wonder e George Michael, alguns dos nomes mais fortes da programação.
Vocês produzem ou bancam alguns dos shows que divulgam?
Alguns, apenas divulgamos, mas há eventos cujos produtores nos procuram, sugerindo parcerias: damos todo o apoio de mídia e dividimos a bilheteria. E tem ainda os shows que nós idealizamos. Buscamos ajuda de patrocinadores e assim bancamos a produção. Temos produzido e promovido muitos shows nacionais. Gostamos da ideia de fazer encontros. Skank com Marina Lima, Pedro Mariano e Luciana Melo, Zelia Duncan com Paulinho Moska, fizemos também um tributo ao Cazuza, com uma banda de apoio e nomes como Frejat, Leo Jaime, Jorge Vercillo… Esses shows são sempre em casas fechadas, para públicos não tão grandes. Na nossa concepção, shows em lugares maiores, para multidões, não dão o conforto que nosso público espera.
O site da Alpha é bastante diversificado quanto ao conteúdo editorial, com turismo, cinema, teatro e games. Parece mais um portal de cultura do que site de rádio…
É exatamente isso que procuramos: diversificar. Algumas coisas que você encontra no site não fazem parte do conteúdo musical ou cultural da rádio, mas fazem parte do dia a dia do ouvinte. Inclusive noticiamos em nossa página shows e novidades de artistas que ainda não estão na programação. Abrindo nesse momento o site, por exemplo, vejo uma notícia sobre a Tulipa Ruiz, uma cantora importante, mas que não toca ainda na Alpha.
Voltando à internet, você diria que ela já se tornou uma aliada ou ainda é uma adversária das rádios?
Ainda é um pouquinho dos dois. Futuramente, pra quem souber trabalhar, será uma aliada. Acho que dificilmente substituirá o rádio. É pouco provável, só mesmo se a gente trabalhar muito mal. Pode ser que a plataforma mude, com as pessoas ouvindo rádio pela internet e celular. Porém, há pesquisas que mostram que a maioria dos internautas que ouve rádio no celular ou computador prefere as rádios conhecidas e não as virtuais. Enfim, a internet pode ser uma grande extensão do nosso trabalho.
Por falar nisso, percebi que enquanto uma música toca na programação, é também oferecida para compra via download pra quem está ouvindo a emissora pelo site ou aplicativo.
Esta é uma inovação da Alpha e da 89 FM, outra emissora do nosso grupo. É algo que fazemos pra facilitar a vida do ouvinte. Se gostou da música e já quer baixá-la, tem ali mesmo a possibilidade de fazê-lo. E não somos remunerados por isso. Não faturamos um centavo. É apenas um atrativo a mais para nosso público.
Pra fechar, uma curiosidade: por que só ouvimos mulheres na locução da Alpha?
Vale lembrar que temos homens entre os colunistas, como o jornalista esportivo Paulo Vinicius Coelho (PVC) e o ator e cantor Gilbert. Mas no quadro de locutores, é isso mesmo, só há mulheres. Hoje já não há exatamente uma razão ou uma explicação técnica mas, no início, existia sim um porquê. Quando a rádio entrou no ar, a ideia é que fosse uma emissora para ser ouvida em empresas, escritórios, e seria interessante que os locutores fossem pouco notados. E os diretores descobriram a partir de pesquisas que a voz feminina chamava menos a atenção do ouvinte. Ou seja, não atrapalharia. Mesmo que isso fosse verdade, hoje nossas locutoras tem a maior importância, e continuamos apenas com vozes femininas, simplesmente porque já virou uma tradição na Alpha.