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2015: O ano em que o digital superou o físico

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Demorou mas chegou, agonizou mas aconteceu. O parto foi demorado, interrompido, boicotado, represado. As forças da resistência sócio-demográfica agiram com sua implacável tirania – a desastrosa e burocrática realidade tributária brasileira, a banda larga de sinal inconstante, ruim, cara. A inclusão social foi atropelada pela inclusão digital, senha atual de cidadania, de pertencer a um grupo, a uma rede e a uma roda que gira global, ignorando as frutas do quintal. Algumas já apodreceram mas fertilizaram um solo nunca gentil. Como diz o rapper mineiro Flávio Renegado, diretamente de BH, “minha tribo é o mundo!”

Pela primeira vez o mercado digital reina soberano, impagável, movido pela escola da esperada maior escala do streaming, hoje discutido como futebol nas rodas de botequim, nas mesas de bar, nas telas do celular. É o preço, a tarifa, a tarefa, o serviço, o pagamento, o novo entendimento de como funciona e como remunera o novo entretenimento. Para o consumidor, é uma festa, plataformas legais com condições acessíveis, layout amigável, uma nova rede social leve e ‘da pesada’ para reunir amigos de perto e de longe. Simplifica os rituais. São as playlists, as novas compilações instantâneas, virais, brutais. Tem mais curador que consumidor.Tem mais opinião que discussão. Tem mais jogo que gol.

É também a era da pirataria fragilizada, do esvaziamento do vicio fácil da gratuidade. É o reinado da música, o principado irrestrito da canção, mais que nunca. O artista é um condutor, um cometa raro, caro. Para a maioria deles, o fenômeno do digital, que chegou lento, gradativo, ainda é uma miragem intrigante, comprometida por novas leis de remuneração ainda imprecisas. Certamente ainda vai haver muita mutação no amadurecimento, num outro momento.

Para as gravadoras, aquelas que resistiram à nova ordem mundial, o momento é mais que oportuno e festejado, depois de dez anos de dura transição e reconversão. Quem tem catálogo manda, quem tem mais de 100 anos de investimento em fonogramas, carreiras artísticas e acervos editoriais finalmente comemora de novo. O dinheiro chega com pontualidade, aos rios, por todos os lados. Quem não tem, observa, faz conta, muita conta, faz de conta que ainda é cedo.

Curiosamente, numa regressão histórica que tem sua perversa lógica, no digital o repertório internacional volta a ser dominante, numa proporção quase de 75% a 25% (do local), com a mais que honrosa exceção dos fenômenos sertanejos e do novo melow funk carioca, cada dia sabiamente flertando mais com o pop internacional. O mercado brasileiro, que desde os anos 1980 viu sua música local revalorizada, agora no digital espreita o repertório internacional reinar soberano, consequência de uma internet que tudo aproxima – elimina fronteiras, dissemina novas idéias e transforma tudo em urgente.

Calma!, a ansiedade desmedida impede o olhar em volta, o desapego, a observacão atenta e comprometida. O mundo agora gira mais rápido, em rotação de vertigem que requer aprendizado constante, menos defensivo, menos corporativo.

Na despedida do mundo físico, vão embora o desprezo aos prazos de pagamento, a consignacão mascarada de colocação, o metro quadrado de música que ainda resiste no chão. Novas métricas de sucesso entram em vigor – múltiplas, assertivas, conclusivas. A rádio, o streaming audiovisual, a arrecadação da comunicação pública crescente etc. Os departamentos comerciais das gravadoras se reorganizam dentro da nova realidade centralizadora. Os contratos digitais são globais, assinados em Londres ou Nova York. As novas práticas são globais. Estocolmo e São Paulo são cidades vizinhas do mesmo approach. NY e Goiânia falam a mesma língua. Os clientes locais são poucos, sazonais, cada vez heroicamente menores.

O marketing digital assume mais relevância ainda. O database, a nova base de quase tudo, o feeling nada mais que o feeling. Adele, sim, é a mulher de verdade. E Anitta, nossa versão nacional. “Hello” e “Bang”. Jogam com as novas leis digitais com maestria, com excelência. Mesmo quando as negam e as rejeitam. Nasceram flertando com a novas regras do mercado – o DNA e o cabelo não negam. Mas respeitam as canções, aquilo que faz toda a diferença na mesmice do uso e abuso da tecnologia bem-vinda, inevitável. Paradoxalmente libertadora e escravizante ao mesmo tempo.

Nas rádios o quadro é outro. O domínio da música sertaneja promete se manter às custas do mérito dos artistas e dos seus escritórios, cada dia mais profissionais e antenados. E do Brasil que deu certo, o do agronegócio, o que fica longe do mar e perto da terra. A MPB e o pop/rock nacional se escondem no gueto mas tem talento de sobra pra sair dos escombros e voltar a dar beijinho no ombro do sucesso, com maior reconhecimento público. Muito talento. Tem Silva, tem Jeneci, tem Tulipa. Tem um arsenal de gente doida pra mostrar seu valor. As majors se transformam em agências de negócios, distribuição digital, desenvolvimento artístico e de administração de direitos – cada vez mais capitais na dinâmica de entender por onde vai a capilaridade da música em seu sonho e vocação de ser revalorizada. Deixar de ser comodity para ser novamente incômoda, revolucionária, artigo cultural e social de primeira necessidade.

Nada e ninguém são mais importantes que o artista, o autor, o cantautor. Os novos canais de distribuição digital, que agora finalmente triunfam entre nós, cá entre nós, depois do primeiro momento de horizontalidade, já entenderam isso.

Marcelo Castello Branco é CEO da Music Content Branding.

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