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Paula Santisteban fala de seu elogiado álbum solo

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A crítica especializada, de forma unânime, está elogiando o primeiro álbum solo da cantora Paula Santisteban, de título homônimo, que resultou no show com o qual ela vem se apresentando em teatros e espaços similares. A repercussão positiva, de certa forma, contrasta com a perda recente do premiado produtor Carlos Eduardo Miranda, responsável pelo álbum – aliás, o último produzido por ele antes de morrer, em março de 2018. Ao todo são 10 faixas, cinco compostas pela cantora em parceria com o guitarrista Eduardo Bologna. Ao lado do músico, com quem é casada, ela desenvolve desde 2003 o festejado projeto de educação e arte Música em Família, que consiste em apresentações em eventos culturais organizados por escolas em todo o país. Desde sua criação, o Música em Família gerou dois álbuns e quatro livros musicados: “Som da Vida” e “Somos Todos Iguais” (2007), ‘Receita de Felicidade” (2008), “Um Para o Outro” (2011), “Para Sempre” (2013) e “Movimento” (2015), todos disponíveis nas plataformas digitais. Suas versões físicas integram o projeto pedagógico levado às instituições de ensino. “O projeto já esteve em mais de 400 escolas no Brasil, com mais de 200 mil discos distribuídos”, ressalta a artista. Na entrevista a seguir, Paula fala sobre seu estilo musical, o conceito do disco produzido por Miranda e dos shows que realiza. Confira:

Show Business + SUCESSO! – Como você se define? Cantora de MPB?
Paula Santisteban No making of do meu disco, em entrevista, o Miranda diz que eu estou cantando simplesmente com a alma, que sou uma cantora de pura expressão. Acredito que ele tenha observado um aspecto muito importante do meu canto – pra mim, cantar é uma entrega, um momento íntimo comigo e com quem me ouve. Quanto ao gênero, minha música tem vertentes de muitos estilos, não sei muito bem me rotular, mas acho bem vindo o termo MPB.

Considerando o trabalho do Miranda, do Maurício Cersosimo (mixagens) e do norte-americano Greg Calbi (masterização), quais os diferenciais do álbum em termos sonoros?
Esse disco surgiu depois do último trabalho do Música em Família chamado “Movimento”, um livro-disco inspirado na Tropicália. Compusemos, ensaiamos, arranjamos e gravamos banda, orquestra e voz em três meses, tudo ao vivo. Foi um processo intenso. A partir daí fiquei com vontade de fazer meu disco com essa mesma fórmula.O Eduardo Bologna é meu parceiro de composição, então reunimos nossas músicas, fomos separando umas antigas e compondo novas, até que em uma tarde escrevi uma canção sobre a minha avó. Quando ouvimos a canção percebemos que o disco seria maior do que imaginávamos e que precisaríamos de um produtor. Veio o nome do Miranda, o Edu já havia trabalhado com ele. Mostramos as composições e Miranda ficou muito comovido. Quando ouviu “Do Outro Lado da Rua” parou a audição, disse que seria a partir daquela música que seguiríamos com o disco e que queria produzir o trabalho. Naquele momento já entendeu a concepção e sonoridade do álbum, disse que faríamos um disco como antigamente, um LP, com cerca de 40 minutos de duração, com no máximo dez faixas. A partir daí ele acompanhou todos os ensaios da banda e foi ouvindo nossas novas composições. Entre esse processo de reunir as canções, compor novas, ensaiar e criar um conceito foi um ano e meio. Que sorte ter o Miranda por perto, participando de tudo, ouvir suas sugestões, todas muito contundentes e de extremo bom gosto. O caminho para a construção da voz desse álbum foi incrível, posso comparar com alguém buscando somente a essência de um perfume, aquilo que faz dele diferente. A cada ensaio ele ia buscando a minha voz de dentro, nuances, cada palavra, a pura expressão, o sentimento, saindo de uma linha racional ou da interpretação de quem se vê fora da canção. Era o contrário, ele me colocava cada vez mais dentro dela. Gravamos a parte instrumental em São Paulo e no Rio. As sessões das vozes foram registradas pelo Mauricio Cersosimo. Gravamos takes inteiros, sem edição ou overdubs. A sensação de ouvir as gravações antes da mixagem já era de algo verdadeiro, orgânico e leve, basicamente o som que ouvíamos na sala quando estávamos tocando. (Abaixo, a capa do disco).

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O Miranda participou do trabalho de pós-produção?
Não. Ele morreu em março de 2018, no dia em que gravamos a última canção do disco, faixa que acabamos não utilizando, usando a versão que ele havia aprovado anteriormente. Então seguimos a partir de todas as conversas e escolhas que Miranda havia deixado nos nossos inúmeros encontros. Quando o Maurício começou a mixagem, subiu o disco na mesa, nos olhamos e fizemos um pacto quanto à sonoridade – queríamos algo que representasse nossa ideia original, de um disco que trazia uma verdade, inclusive no som. A regra foi pouca compressão, quase nada de reverb ou filtros que transformassem o som do que havia sido captado. Depois o Greg Calbi masterizou no Sterling Sound (New Jersey/EUA) com a presença do Cersosimo e adorou a ideia de usar pouca compressão e realizar um trabalho artístico nos dias de hoje, em que as novidades do mercado sempre imperam. Fomos até loucos demais, eu acho, em relação ao som. Só pra ilustrar, demoramos dois meses na escolha do microfone e na sala que eu iria gravar. Gravei em um Neumann M49 de 1952, na sala do estúdio do Apollo. Minha loucura por som não para no álbum. Nos shows, sou eu que fico ao lado dos técnicos no palco e ouvindo o P.A, pra chegar no som dentro da sala de espetáculo, timbrando a banda, metais, madeiras, cordas e voz. Por quê? Não sou só a voz, sou parte desse todo.

A crítica adorou o trabalho. Tata-se de um disco para ser apreciado em cada detalhe, para de fato ser “ouvido”?
Fiquei muito feliz pelo disco ter sido ouvido com tanto respeito por jornalistas que admiro, profundos conhecedores de música, pessoas das quais já li textos, livros, que acompanho durante anos. De repente, Sergio Martins, da revista Veja, descobriu o disco antes mesmo dele existir, ouviu falar do disco no estúdio de um amigo e me ligou em seguida. Perguntou se poderia ouvir, se poderia saber mais, conhecer. Ele elencou o disco entre um dos melhores do ano, com um título lindo: “A delicadeza em um ano turbulento”. Saiu na Revista da Gol, saiu como indicado na Revista Bravo, saiu no portal da GQ, no UOL, no G1. Teve também uma reportagem comovente do Julio Maria, de O Estado de S.Paulo, com o título: “Paula Santisteban estreia com canções de sonoridade impecável”. Com relação à conceituação, a ideia  central é a da desaceleração em um tempo muito acelerado, fragmentado e virtual. As canções são para contemplar, caminhar, respirar, olhar pra dentro e para o outro, com calma. Quando pensamos nesse álbum pela primeira vez falamos muito sobre esse assunto, portanto acho que essa é a semente dele. O Miranda usava sempre a palavra “antídoto”, um antídoto para tempos difíceis. Como você mesmo disse, é para ser degustado aos poucos, para se apreciar cada detalhe, para ser ouvido com tempo. Nos shows de lançamento do álbum, no Auditório Ibirapuera e no Sesc Belenzinho, percebi um público entregue, emocionado e muito envolvido com a música, em um ambiente de cultura e arte. Uma verdadeira experiência transformadora que vivemos em coletivo – eu, os músicos, a equipe e o público.

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Você partiu de uma seleção de 20 faixas para chegar às 10 que estão no álbum. Chegou a gravar todas, para um próximo disco?
Selecionamos 20, mas algumas não estavam de acordo com a ideia do Miranda. Outras vieram depois da chegada do produtor – eu e o Edu compusemos no decorrer do processo. Não gravamos nenhuma das que não foram escolhidas. Foi um disco muito bem pré-produzido, estávamos focados totalmente nas canções que gravamos, não existia nenhuma dúvida quando entramos em estúdio. Gravamos tudo praticamente ao vivo. Por enquanto, não penso em gravar nenhuma das canções que não entraram no disco, pois adoro esse processo de composição e de fazer do zero. Ainda estou vivendo muito esse disco, ele é muito intenso. Hoje, eu, Edu e Alexandre Matias, que é o diretor artístico do meu trabalho, estamos em um processo de transformar o álbum em outras linguagens artísticas. Estamos olhando para os assuntos de cada canção e tentando descobri-las de outras formas, diferentes da sonora, em vídeos, textos, entrevistas, fotografias. Desmembraremos o álbum em dez singles e relançaremos cada canção no meu site e na rede, incluindo conteúdos visuais e artísticos sobre cada faixa – uma por mês nesse ano de lançamento. Faremos isso juntamente com uma turnê de shows.

A propósito, fale da participação da Warner na distribuição?
A Warner tem uma história bem bonita comigo. Como afirmei, o Sergio Martins (Veja) ouviu o disco antes da mixagem e me pediu para enviar para um amigo de uma gravadora. Eu, que ainda não sabia como iria lançar o álbum, fiquei bem feliz. Passei a track “As Janelas da Cidade” e depois o disco todo. Ele enviou para o Sergio Affonso, presidente da Warner, que estava viajando de trem, indo de Berlim a Praga, quando recebeu por WhatsApp o álbum e o ouviu, apreciando a paisagem. Na sua volta, marcou uma reunião comigo e foi extremamente gentil. Elogiou muito o álbum, contou histórias incríveis sobre o Miranda, disse que gostava de lançar discos como o meu e sugeriu que eu distribuísse digitalmente pela gravadora.

 

Que faixas você considera, digamos, mais radiofônicas?
Vou citar três. A primeira é “Do Outro Lado da Rua”. Tem um clima “Robertão”, aqueles arranjos grandões de cordas, metais, madeiras e banda. Um clima meio Jovem Guarda. E tem um apelo emocional pra mim, pois fiz a música para minha avó – ela adorava o Roberto Carlos e não tem ninguém mais radiofônico que ele. Também citaria “Lembra”, primeira canção composta para o Música em Família, que tem uma frase essencial de ser ouvida por todos nos dias de hoje (“lembra que você também sou eu”). Essa frase nos coloca em uma posição de iguais, mesmo nas nossas diferenças. E o principal, me lembro da minha filha quando canto essa canção, pois ela fala sobre maternidade, sobre vida. A terceira é “Enquanto Não Passar”, canção que tem um pé no soul, a bateria que é a base de todo o arranjo e um refrão bem emocional (“esquecer de tudo, é capaz de despertar o seu amor, o seu perdão, o que não tem jeito, fica lá guardado, quieto por um tempo”).

Este trabalho gerou um novo show. Fale sobre ele.
Canto as canções do álbum e algumas versões inéditas de autores como Elliot Smith, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Lô Borges, entre outras. O show conta também com projeções do VJ Scan, ilustrando o espetáculo com vídeos e fotografias do Bob Wolfenson, que também fez a capa do álbum. Fizemos shows em lugares muito especiais, como Auditório Ibirapuera e Sesc Belenzinho, com mini orquestra, Teatro da Unibes Cultural (São Paulo) e Blue Note Rio, com banda. É um show para teatros ou casas de shows, mas não descarto fazer em locais e eventos especiais, como festivais de jazz e de MPB, em conchas acústicas, parques etc. Acredito que independente de ser ao ar livre ou em um teatro, o show cabe bem dentro de eventos que tenham cunho cultural.

Você continua com o projeto Música em Família?
Sim, eu e o Eduardo continuamos com o projeto em paralelo aos shows do álbum solo. O Música em Família é uma ideia que une criança, família e escola através da música e das artes. Como ele tem uma proposta educativa, um material e uma formação para o professor, o projeto é exclusivo para escolas. O material tem como foco a livre expressão e autoria da criança por meio do brincar e das diversas linguagens artísticas. Estamos em muitos lugares do Brasil. Somente neste ano de 2019 são 150 escolas, a maioria particulares. (fotos de Bob Wolfenson)

Ouça “As Janelas da Cidade”, uma das faixas do álbum:

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